la caisse du mouton
Antoine de Saint-Exupéry

[ falo. ]



De joelhos tocas
a lâmpada púrpura
De leve a envolves
nem sei com que luva

que lume ... que lágrima
que sumo ... que soma
de trémulas asas
e roxas papoulas

Ó líquido sol
tanto mais agudo
quanto hesita agora
entre mel e cuspo

O cerco retomas
à roda e ao longo
Toda te absorves
toda enfim te encontras

a mim me encontrando
mais perto que nunca
do lúcido âmago
da tua ternura

Deglutes ... Derretes
Derrapas ... Devoras
inisites sem pressa
porém pressurosa

O céu tem de súbito
a forma de uns lábios
também de um túmulo
Tu tão muda ... Eu falo

para que me acudas
pois já se derrama
em gotas de lua
a púrpura lâmpada















in Música de Cama, David Mourão-Ferreira

still de pillow book, inspirada pela
Lebre


bolero de Ravel

[ in the air ]

é o ar. sonho, estou a respirá-lo. parece uma verdade. este ar. vontade de o voar. cheiro a cidade a jasmim e amêndoas. cheiro a cidade ao sabor de amoras. vontade de ser uma ave-peixe. mergulhar do ar ao rio e desaguar lá. onde és tão mar. cheiro a cidade a ti. e eu a querer ser água. se tu és ar. luze a minha pele da cor que te aprouver. verde de folhas. ou vermelha pelo calor que das nossas mãos se aproximem.
não fosse a capacidade de automatismo, possivelmente a cama seria eterna habitada. até à saudade do jardim. do mar. ou de um vôo. num instante útil, nota que se orienta até aquele espaço onde faz participação do tráfego humano. apercebe-se de que já não está nua. orienta-se. e tenta esquecer que são obrigatórias as vestes. não quer o espírito tão perturbado. deixa correr a sua própria correria. apressa-se a voltar ao mundo.
da nudez. da música de cama. do jardim, gladíolos da cor da terracota do muro, e pêssegos que são mordidos com a avidez das bocas. embriagadas. do mar, a maresia a combinar com a música da cama. do vôo, o culto da dança. as paredes são rectas como o que apreende da rua, são de terracota, mas dança em linhas doutra ordem. a ordem, consoante a vontade do canto.




samba e amor, Chico Buarque
David Mourão-Ferreira in Música de Cama

[ mesmo que a medo ] [ a perder-me de vista a cada pensamento porque já lá vou, noutro sítio qualquer ]



sinto. este coração está no sítio primitivo. que é de onde nunca saiu para voltar. da cabeça que lateja. por entre espasmos, os restos deste corpo reúnem-se. a expulsão das peles mortas é visível pelo chão do espaço. gera-se uma espécie de saudade do cheiro dessas peles. porque são tão animais. porque estiveram no sal. porque são resíduos de convulsões. aparece, como que por geração espôntanea, a memória de convulsões que me foram vividas em mim. convulsões finais das que disseram que é possível morrer por se ter vivido no tempo. o corpo, este, está descomprimido. talvez por isso, deixa acontecer um pensamento de tipo - pedaços soltos. não quero organizar este pensamento. fica assim. não à manipulação! isto é o que se pensa agora: o tempo, forma de expressão para se passar pela vida. a vida, pedaços de organismos que saem por comando dos cérebros. em movimentos-vôo ou silêncios. sobre a protecção dos cérebros, ali, li. são conselhos senhores, são conselhos! Be careful whose advice you buy, but be patient with those who supply it.... Do one thing every day that scares you.


photo de Marina Nuñez

achievement [ people are strange ]

somos sim. tanto. estranheza. essa canção traz-me a sensação dessincronia com os relógios. todos. (não mencionarei um metrónomo) como quando qualquer caminho que se tome e que parece ser errado para roma. os estranhos tornam-se mais estranhos. estamos nós estranhos a nós. a playlist que se seleciona fica bloqueada no ouvido externo. é aquele local sem aparente processamento possível. surge algo que parece um saber que nos ensina que jamais voltaremos ao mundo. acabou. confirma-se a sensação de que nunca fôramos dali. adormecemos num canto qualquer da casa. geralmente, agachados. o sono é realizado e voltamos a ser estranhos para outrem. não olhamos para trás porque pode ser perigoso. não lemos pavese porque não. não lemos dagerman porque não lemos. voltamos às velhas e seguras playlists. num repente, qualquer coisa pequena faz-nos imóveis. voltamos a lembrar que a qualquer momento se pode girar os discos e até virá-los. aquele lullaby está ali para emergências. só nós sabemos e suspeitamos que todos nós saibamos. revolta-se o velho sonho dos homens: voar. talvez este seja um pobre relato. nunca sei o que fazer com a comoção para além da comoção. é um inner-out telling about. se tento encontrar uma nomenclatura perco-me e corro o risco de ser preconceituosa. assim sendo, relato a estranheza da comoção:
oiço um ávido - tia! tia! vem cá!
- onde?
- à casa de banho.
chego lá e encontro o seu pequeno corpo a tentar equilibrar-se para não cair naquele buraco, as mãozitas sustentam o seu peso e a sua voz diz-me que já não é preciso fraldas e a sua voz diz-me que aquele ser já é grande porque faz controlo voluntário daqueles esfíncteres. consciente, o meu corpo pára e concentra-se involuntariamente ali. continua a crescer. desce da sanita, desenrola papel higiénico em quantidade absurda num movimento notavelmente desembaraçado. há um momento de pausa ao que sou informada de que é a minha vez de participar.
- ainda não sei limpar o pipi, tia.
participo. limpo enquanto relato a sequência e remato - é assim, vês?
aqueles olhos são grandes. e brilham. são tão novos. acaba a minha quota parte e o pequeno ser que povoa a minha vida do lado que está vivo, continua, porque há mais que foi aprendido.
- agora puxo as cuecas para cima e concerta-se a saia para baixo. é assim, vês?
comovo-me. pego-a ao colo. abraço-a. o sorriso dela é tão novo! e os olhos.
- já sei fazer xixi e cocó na sanita! estás feliz, tia?
estou. tanto. somos tão estranhamente. quero mais.
talvez este seja um pobre relato. nunca sei o que fazer com a comoção para além da comoção. é um inner-out telling about.
photo de Carlos Veríssimo, 2006

ao Bonirre, Castor, Luís e aos outros

i like birds, eels

[ fenómeno gemelar ]

a lúcia e a rita eram gémeas. verdadeiras! com todas aquelas histórias inerentes aos gémeos. roupas iguais. pressentimentos. namorados com o mesmo nome. perderam a virgindade no mesmo verão. essas coisas banais de gémeos. a lúcia e a rita eram gémeas. verdadeiras. duas pessoas. a lúcia era atiladinha e estouvada. a rita era estouvada e atiladinha. a lúcia tinha a vida em ordem e em desordem. a rita tinha a vida em desordem e em ordem. eram tão diferentes quanto duas pessoas são diferentes uma da outra. por vezes, a lúcia distraía-se e dizia à rita que tinha de se organizar mais. por vezes, a rita distraía-se e dizia à lúcia que deveria ser mais travessa. a lúcia pensava que a rita tinha certa razão. a rita pensava que a lúcia tinha certa razão. tudo passa, até os conselhos, inoportunos. ou não. não interessa. a lúcia e a rita eram pessoas irmãs. a lúcia e a rita eram duas pessoas. diferentes. duas pessoas viventes. uma das razões efémeras dessas vidas era a existência da outra pessoa. a lúcia e a rita eram duas pessoas sábias de não saber. eram só pessoas. a lúcia era aquela lúcia. a rita era aquela rita. evidentemente. a lúcia e a rita não sabiam que haviam sido adoptadas por duas pessoas. essas outras duas pessoas eram mais pessoas cujas razões efémeras de vida era a existência da outra pessoa. assim, a lúcia e a rita foram adoptadas e ficaram gémeas. não sabiam se eram almas. nunca se haviam comparado ao espelho. eram duas pessoas, tal qual uma pessoa e outra pessoa, quaisquer, podem ser verdadeiros gémeos.

[ lei de murphy ]

- que mais acontecerá?, perguntou a menina
- pode sempre ser pior, minha menina, por exemplo, podias partir uma unha ou ser atropelada

[ rewind ] [ looking ahead ] [ overhere ] [ now ]

fora como se alguém tivesse chamado um exorcista. quase se poderia estabelecer uma data para a libertação. Deitei-me no chão, e não é fácil. hoje poderia fazer uma festa em honra desse dia da irmandade. mais tarde, houve bolo. as fitas, bolas e luzes de natais passados ficaram em pousio para quiçá um dia retomarem as suas funções em condições mais férteis. seguiram-se os dias de boas novas. noites de efeitos finitos. que se acompanharam de dias de dor de barriga. a vida continuou. aprendi a dançar, mesmo com temperaturas altas. comecei a ouvir ecos no peito. perdi o cuidado porque sim. desejei. procurei dizer silêncio, mas aconteceu música. era tempo para uma vigilância que se descuidou. os sonhos de viação foram argumentados. a insegurança na estrada precisou de um duche de água gelada. a seguir fui ao cinema por conselho de minha mãe. despi-me no dia em que o circo partiu da cidade. parti também, para o campo, passear pelos pomares. quando voltei do passeio estava tudo radioso. foi assim que olhei. achei por bem ter o cuidado em avisar que a minha cova não me interessa. abriram-se janelas enquanto as portas permaneciam fechadas. eram muitas madrugadas. e milagres de espinha e osso. e a flagelação. a primavera trouxe ainda mais primavera. assim enviei uma mensagem a pessoas anónimas mas não tanto, por quem senti sentir, essa mensagem foi, afinal, profética. o certificado de aptidões concordante com a profecia seguiu-se aos braços esticados. eis que se deu mais um bocadinho da bestialidade da compreensão humana. a partir daí a vida continuou a continuar. e o caminho parece simpático. porquê? porque desaprendo muitas vezes, mas ainda não desaprendi que há sempre algo em que acreditar. nem que seja no mais pequenino sinal humano. suspeito que será muito doloroso o dia em que me falhar a intuição sobre a bela natureza daqueles com quem vou privando. todos. quase conseguiria acreditar num pai do céu. assim, acredito nas gentes da terra. continuar por aí. as cegarregas. acknowledging (or whatever) ourselves. eachothers. não é magnífico?


the journey
Jan Saudek, 2001



I see a darkness, Bonnie Prince Billy
esta canção porque sim :p
quem sou? de onde vim? para onde vou? o que faço aqui? como faço o que tenho de fazer aqui agora que vim dali? tenho mesmo de fazer algo? dormi e acordei. nesse momento o gato roça-se nas minhas pernas. por vezes, o telefone toca para bons dias. o café é certeiro, seguido do primeiro cigarro que é só meu! ontem perguntei o que ia fazer para onde ia. sabia que tinha de ir para lá. fui. nem por isso labutei até suar. mas a safra fez-se, para minha surpresa. o corpo ameaçava ruir. não ruiu. ficou um sinal residual que se transformou em tosse. mea culpa. como é possível que façamos o que tem de ser feito em condições destas é daquelas coisas que me faz andar para aqui com expressão de espanto. ora! o mais certo era que o dia de trabalho corresse mal. tinha a certeza disso quando pus a chave na ignição. "não vás, margarete!", pensei. e fui. na correspondência havia mais divulgação daquelas reuniões em que se fala do estado/filosofia/filogenia/etc. da Arte, agoniei quando li o papel pretencioso. reforçou-se a certeza de que o dia correria mal. vi os emails. escrevinhei dois e enviei uma msg. chegou a aprendiz de aprendiz e dissémos "bomdia". falámos com os clientes, alguns retribuiram, outros não. correu bem. mas o sono, oh! o sono. tanto sono! bocejei à frente da aprendiz de aprendiz, à frente dos clientes e à frente das mais altas patentes da hierarquia. o sono não obedece a diplomacias. almocei e bocejei. fui ao tasco da tarde e bocejei. falei com os clientitos da tarde, alguns retribuiram, outros não. correu bem. mas oh! o sono! mais duas ou três tarefas. e o sono. depois o café previamente comprometido. bocejei enquanto ri. o serão aconteceu como planeado, e eu bocejei enquanto bocejava. à noite... o meu sonho tornou-se realidade. e ainda por cima hoje voltei a acordar. fico tão assarapantada, talvez o amanhecer seja algo banal, mas não sei se alguma vez deixarei de achar que é um fenómeno assombroso. sei que são essas coisas que me dão vontade de subir às árvores (mesmo sem saber o nome delas). não tardo muito.

the odds are that my wish will become true...

... i wish for tonight. being back in my bed. will you please be aware if i sleepwalk?
i'm afraid i may do silly sleepstrolling things.

photo



All The Pretty Little Horses, Calexico (replay)
at the end it's sunday. the day of sun. the seventh day. you've accomplished some tasks. realized once more you'll never learn how to be in control of the lists you write down. though you worry and remember it's another day without climbing trees, it's ok. you understand it's not as bad as it seems. ya did the boogie woogie. ya shaked, yeah, ya shaked babe! oh yeah! yeah! oh. you tried not to reflect that much. you know you don't have it figured out, that's ok too. at least you won't be changing your mind. and it's nice to despise any kind of finishing lines. it's sunday. you read something stupid about couples on sundays, guess that the writer may be a very lonesome person to disdain sunday afternoon couples that way. you read the other writer that said us humans where wrong when we invented love, that god was the right one on inventing only sex. o'well, that's quite stupid too. of course love is a strange invention, as strange as it was to invent the divine father. and you ask why on hell should we renounce to love? so sometimes you may hurt a little bit, or a lot, but what's that compared with being alive for a while? and who may swear that love is not forever?, i heard a few stories around about everlasting love. so it's sunday. a well-known day as being boring. what's the big deal? on sundays i like to imagine that i'm not there. it's alright, i'm not losing a day. it's as if i'm just looking and have no part on the seventh day. something like imagining i'm just a cinematographer.
Couple, Smoking Man, Pink Room, from The Last Resort, Martin Parr

[ veludo - chita - seda - cambraia ]

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aceleram o passo pelas vielas. vão juntas. as duas. o ar está inconfundível. são elas, são ciganas, não enganam! vagueiam por aí de violino em riste a acompanhar as concertinas. sabem de onde vêm. e, houvesse maneira de saber... nem por isso interessar-lhes-ia para onde vão. cumprem o expediente. saberiam arregaçar as saias para esfregar o chão. sabem que se diz sim, senhor, por favor e obrigada. sabem muitos preceitos. pusessem mãos à lida e fá-la-iam com brio. porém, não conseguem andar com o cabelo penteado. tentaram, mas não conseguem. são distraídas em consciência, não querem gastar a energia em actos cândidos. preferem a fogueira. antes arder! dizem muitas vezes. em instantes muitos sentem tanta verdade no corpo que desejariam a evolução. não são meninas de Velásquez. são ciganas. juntam-se as duas à esquina a tocar os violinos e a dançar o solidó. as saias rodam à medida que libertam frases a representar a sua humanidade. dizem-se isto e aquilo sobre os seus amados, e também sobre os seus desejados. parem frases sobre os filhos todos, olham-se as almas por vezes afligidas. cantam sobre a música que tocam. e tocam música sobre o amor que fazem. prometeram-se um bolero de cada vez que conseguem proferir uma frase certeira sobre qualquer decisão atingida. vivem prioridades. comer, beber, foder, esses acontecimentos vulgares do corpo. entretanto, amam e não proferem frases do amor. essa coisa. dizem que os corpos são perfeitos para amar quando, dentro, o coração sente-se. dão meia-volta, andam ao redol com os violinos e, por vezes, com uma gaita-de-beiços, fazem música. têm amores-perfeitos nos canteiros e cravos vermelhos nas jarras. amassam o próprio pão. as saias são mundos de tecido. é nos bolsos das saias que guardam as apoquentações, quando dançam vão sendo libertadas pela força do torvelinho delas. são ciganas, não escrevem frases, sentem-nas.






avé dor maria, Tom Zé

[ tínhamos uma lucidez espertamente luciferina, crueldades para uso centrífugo e centrípeto ] [ a ironia não salva, mas ressalva. ]

Vamos amar a vida activa?, pergunto eu então. Sim, vamos entrar num barco que chegue de noite aos portos. Teremos horas e horas destinadas à preparação interior, ao apuramento das nossas melhores virtudes. Procuramos nem sequer respirar. Vai ser bom. De manhã haverá a revelação de cidades que a luz equilibra ao alto. O lugar da acção. Vamos fazer coisas – coisas definitivas. Escrever, acabou-se. Agora isto: mergulhar até ao fundo. Porque ficou assente: a literatura não é um facto, um acto a sério.

Pois o que acontece é a população, com uma quantidade de ruas e casas. Estou à espera dos milagres. Experimento ir ao encontro deles pelas ruas fora. Também experimento sentado. Há uma conversa com um tipo: diz que pendurou alguém de cabeça para baixo. Haverá também quem diga ter sido posto nessa posição e ter visto o mundo assim. Relativamente interessante. Pode ser que os anjos falem desta maneira, que se trate de um tema angélico. Conversa puxa conversa, e uma mulher elege a inocência, o dono de um bar informa como é a sabedoria. Aparece também o famoso esquizofrénico: eu tenho as pernas verdes. Mas a morte está no meio de tudo isto. E afinal respiramos, envelhecemos na cara, o crime não deu nada.

Sim, senhores: as pessoas pedem para eu ser mais claro. Como? O que espero é ver a metáfora apocalíptica ganhar um sentido literal. (…) Mas quem me pede significações? Não, não querem metáforas. Ponho-me a falar da beleza mortal dos espectáculos, de certos momentos extremos que renegaram a própria existência desde a origem. É uma coisa minha. Fala-se para estar só, ser contra os outros. Limitar a invasão do mundo – dessas ruas e casas, dessa população de funcionários angélicos. Não me venham com inocências nem sabedorias.

(…)

(…)

O estilo de tratamento bebia numa espécie de desenvoltura maligna. Não era de mansidão o que havia para dizer e fazer. Mas ligava-nos a comoção, sabíamo-nos mutuamente, e por isso praticávamos a honestidade de não facilitar a nossa própria dificuldade.

Tínhamos uma lucidez espertamente luciferina, crueldades para uso centrífugo e centrípeto. Carnívoros, sim, mas tocados também pela secreta fragilidade de quem anda perdido no escuro. As palavras mostrariam, a quem não fosse analfabeto nas coisa implícitas, toda essa movimentação de dentro para fora.

Não havia perdão entre nós, nem entre nós o mundo. Tudo quanto foi dito e feito possuía uma doçura ocultamente envenenada pela raiva e o medo. A paz que se procura durante a biografia que em grande ou pequena escala se tornou fáustica por qualquer, mesmo precipitadamente, pacto, não se encontra nunca mais, nem simples nem complicadamente. Havia momentos para nos divertirmos com a pequena demência de morder as próprias mãos. O teatro disto poderia sê-lo por identificação com o mito de nós mesmos em que, não apenas literalmente, nos empenháramos.

Existe quem não entenda destes divertimentos. Entendíamos, nós. Entender unia-nos.

(…)

Agora amávamos essa queimadura que, com dedos absurdamente inocentes, tocávamos uns nos outros. Fábula da solicitude trocada, uma ilustração do amor sem qualquer amanhã. Porque era já uma despedida de entre nós, uma despedida de nós mesmos. (…) quer dizer: podemos devorar a nossa biografia, podemos ser antropófagos, canibais do coração pessoal. E o escrito conservará cegamente um tremor central, esse calafrio de ter olhado alguma vez o nosso rosto filmado no abismo do mundo.

(…) A ironia não salva, mas ressalva.



in Photomaton & Vox, Herberto Helder



photo

( : is he really really REALLY back?!, asks me : )

may i feel said he




photo de Stephane Fugier, também respigada ao Kay :P

síntese orgânica *

rumo do sul

são estes os dias.
as declarações de amor aos amados estão tão activas que algo dentro de dentro da carne impele ao silêncio. é a pulsação, se existimos, que nos traz estáticos. o ventre é a terra. ou o mar. aqui. a vala. oremos por nós. vivamos a tristesse na sua hora. comer o pão nosso de cada dia. a morte sobra mais que a vida. estes ditos são não ditos, malditos. deus não nos livra. Eu, criança exausta, ruída, aceito a graça. Fecha-me os olhos e dá-me a forma de um único vulto.


photo de salamandrine aka dolphin.s


* título também surripiado ao Afonso



domingo sem deus na terra da solidão, Quinteto Tati
prepara o teu ventre
quero voltar




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viver o peso do mundo nos dias em que a realidade sufoca.





tears are in your eyes, Yo La Tengo

saturday morning sticky acknowledgements

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Working Girl, Cindy Sherman


a 13 de Maio... come a carne do Senhor e bebe o seu sangue para sempre. the middle class style of life working girl realises it's saturday. there's much to do. so she reads for a while



A lei da vida: instabilidade. Para cada pensamento um contrapensamento, para cada anseio um contra-anseio. Não admira que um tipo dê em maluco e morra ou decida desaparecer. Anseios a mais, e isso não é sequer um décimo da história. (…) o cérebro de mais ninguém trabalha assim? Não acredito. Isto é um envelhecimento puro e simples, a hilaridade autodestruidora da última montanha-russa. Sabbath encontra o seu igual: a vida. O fantoche és tu. O truão grotesco és tu. Tu és Punch, artolas, o fantoche que brinca com tabus!

(…)

Estranho. A única coisa em que pensas é que ela morreu. Isso até se aplica aos mortos. Eu aqui em cima, na claridade e no quente e, quilhado como estou, com cinco sentidos, um cérebro e oito tipos de compotas – e os mortos mortos. A realidade imediata está do lado de fora daquela janela; é tão grande, é tanta, tudo enredado em tudo o mais… que grande pensamento se esforça Sabbath por exprimir? Está a perguntar: «Que aconteceu à minha própria vida genuína?» Estaria a ser vivida noutro lugar? Mas nesse caso como é possível olhar para fora desta janela seja tão colossalmente real? Bem, essa é a diferença entre o verdadeiro e o real. Nós não chegamos a viver na verdade. Foi por isso que Nikki fugiu. Era uma idealista, uma comovedora, inocente e talentosa ilusionista que queria viver na verdade. Bem, se a encontraste, miúda, foste a primeira. De acordo com a minha experiência, o sentido da vida vai na direcção da incoerência – precisamente o que nunca quiseste enfrentar. Talvez essa tenha sido a única coisa coerente que te ocorreu fazer: morrer para recusares a incoerência.

(…)

Não, a vida humana não pode ser extinta. Ninguém seria capaz de inventar nada parecido, outra vez.

(…)

A incapacidade de morrer. Ir ficando, em vez disso. Este pensamento excitou intensamente Sabbath: a perversa insensatez de permanecer, de não ir.

(…)

Porra, acontecia sempre alguma coisa para levar as pessoas a continuarem a viver!

(…)

Eram inumeráveis todos os grandes pensamentos que não entendera; o que ele não tinha para dizer acerca do significado da sua vida era um poço sem fundo. E uma coisa divertida é supérflua – o suicídio é divertido. Não são muitos os que têm consciência disso. Não é instigado pelo desespero ou pela vingança, não nasce da loucura, ou da amargura, ou da humilhação, não é um homicídio camuflado ou uma demonstração grandiosa de auto-abominação: é o retoque final da anedota em voga. Ele considerar-se-ia um falhado ainda maior se se apagasse de qualquer outro modo. Para alguém que adora uma piada, o suicídio é indispensável. Para um fantocheiro, especialmente, não há nada mais natural; desaparecer atrás do biombo, enfiar a mão e, em vez de actuar como ele próprio, acabar como o fantoche. Pensem nisso. Não há nenhuma outra maneira mais absolutamente divertida de partir. Um homem que quer morrer. Um ser vivo que escolhe a morte. Isso é entretenimento.

(…)

E não era capaz de o fazer. Não podia morrer, porra. Como podia partir? Como podia ir-se embora? Tudo quanto odiava estava ali.


in Teatro de Sabbath, Philip Roth



then she gets up on her knees, pours herself a cup of coffee and lights a cigarette. she talks to the cat. they rewind their minds and make a kind of balance of the last weeks. she monolougues about writting. no papel gatafunho borboletas como modelos impessoais de destroços. he whispers (but we can't tell you what's that whisper). she laughs. then she just smiles. and remembers half-life and recalls the ta! ta! ta ta ... taaaa taa ta's. she thinks she'd like that kind of job too. suddenly the smile goes away 'cause she's not a fairy so she's unable to grab all the tears, even the ones which haven't been cried out. o'well, muda-se de código. coincidências, Ana_is, se a memória não me falha (a dama poderá ajudar-me a lembrar), foi no dia do café das 5, ;)... um escritinho sobre as férias de Verão : pequenina, férias de verão, à tarde, os meninos estão todos ausentes da vila (foram para a praia com as suas famílias), a biblioteca calouste gulbenkian nº 1 está fechada, em casa há poucos livros, lidos e relidos, a televisão não existe porque sepulta com 2 canais a preto e branco, o calor encerra dentro de casa, o sonho com um futuro que sabe ser longínquo. verão à tarde, só, nada simpático para fazer, o sufoco. e esse também passa. como também passa um orgasmo. e depois? morremos. claro. esse healing é das coisas mais serenas e reconciliadas que li nos últimos tempos. releio o que sublinhei e reli e li. releio o que escrevi e reescrevi e apago. penso: efemeridade. são tão maçadoras as lengalengas. dá-se mais uma voltinha, que é para o menino e para a menina! bom dia, oremos,

hallelujah e...
cha-cha-cha
:)

[ i've seen this room and i've walked this floor ] hallelujah [ your faith was strong but you needed proof ]


most little things make you smile. dawn makes you smile. you row, row, row your boat, gently down the stream, merrily, merrily, merrily and although you don't put on red shoes you also dance. of course. it's day again. and again. hallelujah. you don't praise to the lord. you praise to tiny things. you could swear they exist. act-react - but keep on going with the stream. hallelujah. hallelujah. hallelujah. good morning.




















hallelujah by Jeff Buckley




photo de Marta Maria Perez Bravo

[ worldly desires and worldly gains ] [ come my lord and we shall dance ] *

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algumas maleitas têm remédio. outras, fatais, celebram-se com a crucificação. as vias não são sacras. são terrenas. os remédios vão sendo engolidos até à última instância. o caminho que se faz até cada instância sublima a balança. cada gesto terreno é resultado da busca. por vezes, as células são tão agredidas que reagem em contra-vida. essa contra-vida revela-se (quase sempre) fértil. dá-se, então, a hemostase. como quem diz que a aflição terrena deixa o corpo terreno. se o peito continua a inquietação, a Terra terá de ser revolvida de novo. acontecem novas mortes. os novos mortos ficam confusos porque, em vida, haviam esquecido que se morre vezes infinitas durante a Terra. (a saúde de esquecer a morte em vida). dão voltas nos lençóis dos seus sarcófagos. esses cadáveres aguardam a ressurreição enquanto lambem mãos e pés. a exigência do respeitável tempo terreno confirma aos mortos-vivos a necessidade da inanidade. para novo usufruto de vida conciliada. extraordinário.







deus ibi est, Isobel Campbell & Mark Lanegan (*)

[ cortejo de bocas, sermão da prática de beijos beijo e história ]

não são os amantes com mãos mínimas que falecem, são os amantes sem boca. o corpo de boca vazia é mutilação, é corpo restos de corpo. pelo alvorecer ouve-se choros nublados que lamentam os restos de corpos que não chegam a ter tempo de se saber beijar [ no escuro ]. o beijo no escuro é o da confiança nos dentes da boca com quem se troca. ]silêncio saliva bocas boca afecto[ das bocas múltiplos são os beijos de múltiplas funções. os beijos que desbaratam o mundo... os beijos das bocas arrepiadas de vida... múltiplos!


história
era uma vez um beijo que foi no escuro e mordeu. beijo que se vestiu com máscara anti-judas. amordaçou a língua. o beijo soube o que fazia pois apossara-se da confiança no escuro antes de ser claro. o beijo apertou um adeus. a outra boca apertava olhos a sorrir muitos gostarzinhos. das bocas unidas fez-se a espuma *. o beijo, que soube ao que ia, levou consigo a satisfação de saber que era parco. a boca abriu fendas que amargaram. esse beijo foi um resto de corpo.
o beijo é tão efémera tatuagem **.


* in Soneto da separação, Vinicius de Moraes
** in A Cobrição das Filhas, Valter Hugo Mãe





saudações bowianas!

the man who sold the world, David Bowie

still de um dos beijos mais bonitos do cinema - merry christmas, mr lawrence -
tanx,
viriasman :)

[ RECRIAÇÃO DO MUNDO ] que ninguém se espante do nosso espanto, nem que ninguém sonhe escravizar a nossa melancolia *

photo de salamandrine



o sonho de ainda ver é mais forte do que a certeza de que os olhos são inúteis
in Carta ao Futuro, Vergílio Ferreira (*)

[ hold your mistake up * ] about where we're goin [ you better look out below! * ]

O excesso desenfreado não conhece limites em si, mas eu padeço de uma grave predilecção por não arruinar a minha vida.
(...)
(...) a Morte está ali, no seu canto, a fazer vigorosas flexões de joelhos, e um dia, em breve, vai saltar para o meio do ringue e atirar-se tão implacavelmente como se atirou a Drenka.
(...)
Imaginem então a história do mundo. Somos desmesurados porque a dor é desmesurada, tantas centenas e milhares de géneros de dor.
(...)
As parvoíces em que temos de nos meter para chegarmos onde temos de chegar, a extensão dos erros que precisamos de fazer! Se nos informassem antecipadamente de todos os erros, diríamos não, não posso fazer isso, têm de arranjar outro qualquer, eu sou demasiado esperto para fazer essas asneiras. E responder-nos-iam, nós temos confiança, não te preocupes, e nós responderíamos não, nada feito, precisam de um schmuck muito maior do que eu, mas eles repetiriam que têm confiança que somos a pessoa indicada, de que evoluiremos para um schmuck colossal mais conscienciosamente do que podemos começar sequer a imaginar, de que cometeremos os erros numa escala que nem podemos sonhar agora: porque não existe nenhuma outra maneira de atingir o fim.



in Teatro de Sabbath, Philip Roth

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from anatomy lesson, Tony Ward




* wake up, Arcade Fire

[ o leiloeiro bate o martelinho ] vendido! [ sim sim, àquela rapariga com cabelos de lodo ]


Haus Rucker Co, Ballon fur zwei, 1967-1983, Vienne la nuit, Autriche

e ainda dizes Foi o que se pôde arranjar, C.S.A.?! ò, diabos! admirável blogosfera!

tem graça, o DSM-IV havia sido metido ao barulho numa primeira versão do post... ; )
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mas o sono ronda o corpo até encontrar uma ferida por onde entrar.
e adormece o sangue num torpor de chumbo
rarefaz a luz e coagula o ar na árvore dos pulmões
e quando desperto
estou rodeado
de constelações desconhecidas
e o mundo afogou-se em silêncio, muito para lá dos meus dedos
(gato) - o que é que perdeste?
- o meu coração de arame.
(gato) - ah...
- não sabes nada sobre isto, tu que andas sempre por aí a bisbilhotar?
(gato) - só sei que fazes ruídos esquisitos quando dormes...
(...)


in Coração de Arame de José Carlos Fernandes



a noite passada, Sérgio Godinho

[ sinais vitais ] afogamento em mariposa estática por exposição às noites [ vigília ]

mais noite. fracções. não sei em que estrada desta cidade, mas foi nesta cidade, isso sei. abrandei o carro, não sei se devido a um sinal vermelho. vermelho, enquanto sinal, parece-me lógico. parei, ou abrandei, e o carro desfragmentou-se. assim, ali, parei, ou abrandei, e o carro ruiu. as portas caíram para o lado, as rodas soltaram-se (mas não rebolaram pela estrada fora, caíram, ali, assim), não sei o que foi feito do tejadilho (sei que não caiu sobre a minha cabeça), muitas porcas e parafusos, pistões, bielas e dessas peças todas, assim fiquei de volante na mão. foi isto, seguido comigo a caminhar pela cidade fora, de volante na mão (sem fazer movimentos de torção, só, assim, ali, a segurar o volante com ambas mãos, firme). ria. e ri. pela cidade fora. real. é
acordada ri.
Ò! as psi-analíticas de almanaque que se podem espremer dali! daqui.
nada sei do motor. não sei.
adormeço acordada a noite.
dançar com os habitantes. porque não? ora! carpir a existência sisudos [pólo A]? festejar a vida com manuais patetas dos sorrisos forçados [pólo Z]? acorde-se! representar o cómodo papel de ombros encolhendo porque nada sabemos? que se faça culto. (somos) ateus politeístas. afasto os pólos. renego-os. a casa não pode estar limpa! cabes lá dentro. sorriso. as roupas mostram o molde dos corpos que vestiram. e fedem, sim. segregam molhados o que houver a segregar. ilimitado. pleno. e viveremos o sufoco nos dias em que há sufoco, pois se é a entidade, o ser.
photo de Gregory Crewdson




- : )

- : ) que giro! chove. na memória.
- [ silêncio ]
- estás a ouvir. : )
- quis
- era
- : )
- : )




pensando en ti, Devendra Banhart
a foto não é minha mas faz de conta

(excuse me, but... )

cegarrega da pele [ e das mãos ] [ e dos olhos ] [ cegarrega do tudo - o que conheces. é corpo aqui ]

a pele foi um tudo, pensou. o tudo, um nada.

a pele gasta-se do mesmo modo que as palavras. deverá ser lambida para que não desvaneça. a língua alarga ou bifurca se percebe o pescoço ou o ventre, respectivamente (ou os lábios). a língua sabe, luta com os lábios para que se mantenham retraídos dos beijos. os lábios unem os movimentos de protrusão com os impulsos da língua. e os corpos começam. e os corpos sabem onde se começam. e os corpos sabem por onde começar. começa, assim. as mãos tremem de temer a sede. as mãos as mãos. as mãos cumprem a obrigação que o seu desejo lhes diz em ordem. as mãos são bem mandadas. as mãos distraem-se com sorrisos. os sorrisos dão lugar aos corpos todos tudo e eis que o som é invasor por defesa do arrebatamento.
os sorrisos são depostos pelos beijos. os corpos não fazem malabarismo porque são corpos que são só corpos. animais. as mãos bem mandadas, dadas, fazem o que lhes apetece. os corpos são estes corpos livres pois que sabem que não há lugar para a ciência aqui onde os corpos são estes corpos livres. (pronunciar habilidade seria profano.)
as mãos são isso, lambem a pele. a pele fede. as mãos agarram o aroma (tem pele).


photo: Annie Leibovitz

Go(o)dFella



recebi o que foi dirigido às ricas meninas (todas). enfio a carapuça. entra uma pedrinha na minh'alma se me disseres que não poderei ler as tuas rudezas [ puras * ] (assim com'ássim, como as que todos escrevemos). à borla!
temos sempre algo na boca.





obrigada, João



“HD” by pATTY cHANG







* inocentes, digo - desde o dia em que li nos olhos deles que há mais inocência nos nossos narizes que no corpo todo de um(a) wannabe

O mar das lágrimas abandonadas [ ou as palavras vindas de olhos a abrir ] [ entre-luas ]

A nascente, está uma enorme e linda lua

É também de branco que amanhã me irei vestir.

O despojar dos hábitos negros e a recusa do langor dos dias.

A Desarticulação da noite e das estrelas. E também as luzes dos barcos no horizonte.

Cria-se assim o combustível que será sustento da senda,

da trajectória indefinida, da rota dos que se perdem para se encontrar.

Continuar acordada, onde o tempo é mais lento e a procura

de outro despertar, remete-nos para outro poema que começa:

“É nesta quietude

que tudo se sonha

para os dias

em que tudo acontece”

Preparam-se assim os amanheceres de luzes difusas,

enevoadas, e as fantásticas nebulosas.

Antecedidos de noites de desalento,

sentada no sofá lendo a lua

e os desejos na imensidão de um céu uno e indivisível

agora magnificamente desmembrado.

Ao crepúsculo, restarão as sombras,

cinzas etéreas do dia consumido.

O chão, no prolongamento da linha perpendicular ao horizonte esbate-se e transforma-se em mar.

O mar das lágrimas abandonadas.

cp

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I'm sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com












































Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.


Alberto Carneiro