Working Girl, Cindy Sherman
A lei da vida: instabilidade. Para cada pensamento um contrapensamento, para cada anseio um contra-anseio. Não admira que um tipo dê em maluco e morra ou decida desaparecer. Anseios a mais, e isso não é sequer um décimo da história. (…) o cérebro de mais ninguém trabalha assim? Não acredito. Isto é um envelhecimento puro e simples, a hilaridade autodestruidora da última montanha-russa. Sabbath encontra o seu igual: a vida. O fantoche és tu. O truão grotesco és tu. Tu és Punch, artolas, o fantoche que brinca com tabus!
(…)
Estranho. A única coisa em que pensas é que ela morreu. Isso até se aplica aos mortos. Eu aqui em cima, na claridade e no quente e, quilhado como estou, com cinco sentidos, um cérebro e oito tipos de compotas – e os mortos mortos. A realidade imediata está do lado de fora daquela janela; é tão grande, é tanta, tudo enredado em tudo o mais… que grande pensamento se esforça Sabbath por exprimir? Está a perguntar: «Que aconteceu à minha própria vida genuína?» Estaria a ser vivida noutro lugar? Mas nesse caso como é possível olhar para fora desta janela seja tão colossalmente real? Bem, essa é a diferença entre o verdadeiro e o real. Nós não chegamos a viver na verdade. Foi por isso que Nikki fugiu. Era uma idealista, uma comovedora, inocente e talentosa ilusionista que queria viver na verdade. Bem, se a encontraste, miúda, foste a primeira. De acordo com a minha experiência, o sentido da vida vai na direcção da incoerência – precisamente o que nunca quiseste enfrentar. Talvez essa tenha sido a única coisa coerente que te ocorreu fazer: morrer para recusares a incoerência.
(…)
Não, a vida humana não pode ser extinta. Ninguém seria capaz de inventar nada parecido, outra vez.
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A incapacidade de morrer. Ir ficando, em vez disso. Este pensamento excitou intensamente Sabbath: a perversa insensatez de permanecer, de não ir.
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Porra, acontecia sempre alguma coisa para levar as pessoas a continuarem a viver!
(…)
Eram inumeráveis todos os grandes pensamentos que não entendera; o que ele não tinha para dizer acerca do significado da sua vida era um poço sem fundo. E uma coisa divertida é supérflua – o suicídio é divertido. Não são muitos os que têm consciência disso. Não é instigado pelo desespero ou pela vingança, não nasce da loucura, ou da amargura, ou da humilhação, não é um homicídio camuflado ou uma demonstração grandiosa de auto-abominação: é o retoque final da anedota em voga. Ele considerar-se-ia um falhado ainda maior se se apagasse de qualquer outro modo. Para alguém que adora uma piada, o suicídio é indispensável. Para um fantocheiro, especialmente, não há nada mais natural; desaparecer atrás do biombo, enfiar a mão e, em vez de actuar como ele próprio, acabar como o fantoche. Pensem nisso. Não há nenhuma outra maneira mais absolutamente divertida de partir. Um homem que quer morrer. Um ser vivo que escolhe a morte. Isso é entretenimento.
(…)
E não era capaz de o fazer. Não podia morrer, porra. Como podia partir? Como podia ir-se embora? Tudo quanto odiava estava ali.
in Teatro de Sabbath, Philip Roth