la caisse du mouton
Antoine de Saint-Exupéry

respirar o mesmo ar

Dizer adeus



Digo-o sem nenhum azedume com o universo dos vivos: ando a preparar-me para morrer. Não quando acordo. Aí ainda não consigo. É quando me deito. Tomo o chá, ponho o pijama em cima do aquecedor eléctrico, sento-me na minha existência de homem écran, e começo a sentir que me falta uma unidade menor para cronometrar o saboreio de um adeus. Os segundos são uma eternidade. Subo à cama e deito-me pensando que a minha vida seria mais feliz se eu cumprisse, emocionalmente, este desígnio biológico de morrer todas as noites. É o meu corpo que o pede. Há no sono, o apaziguar de um moribundo. Cerro os olhos e recuso-me terminantemente a imaginar que há um amanhã. Desligo, uma a uma, todas as secções do meu corpo. Deixo de sentir os pés. O desligar sobe-me pelos tornozelos, levo a mão ao sexo, apago-o, depois o tronco, os pulmões, as costas. Já estou quase morto. Ainda sinto o traquitear cardíaco. É neste momento dificil em que assumo desligá-lo, que me apercebo da festa de existir. Morro em paz.






photo: The river, Jan Saudek
1962

[ escarpa ]

Explicaria como é a ausência e a dolorosa vida na ausência. Os seus pés seguiam-se naquela inclinação doentia que se traz do pensamento mais profundo ao reviver a sensação dos actos. Enquanto os seus pés se seguiam, compôs imagens acompanhadas de sons distantes da ausência. Era a presença a seguir os seus pés. De repente... o corpo.

Sentiu uma exclamação afónica que se libertou num tremor ininterrupto enquanto os pés, os seus pés, se seguiam.

Por prudência, não intentou uma correria. Era íngreme o caminho, e viu. Havia lixa a forrar o chão, abraçou os seus braços nus para o calor e assim se libertou novo tremor.
Sentiu a pele a ser removida em pedaços de serrim e os pés aplainados até não sobrar qualquer resíduo de carne nas solas.
Nem assim se foi a ausência.

Quando os seus pés pararam o seguimento, atirou-se à cama de pregos.
O som esponjoso do ferro a entranhar as mamas suavizou a afonia. Sobrou uma cabeça que não rolou. Olhou a cabeça de soslaio, o pescoço movimentava-se, tocou-lhe e sentiu a vibração.
Percebeu enfim que estava surda, o corpo gritava há muito tempo. Desde a ausência, mas não se auto-deferia o limiar de dor na audição.

presa

Era um tigre enorme, de cor fabulosa e pêlo de beleza indescritível. Devo dizer que era um belo animal.
O pior era o seu olhar esperto, matreiro, imóvel… a pose de predador. Sem avançar.
Não avançou. Esperou que as minhas pernas perdessem a força. Ao meu primeiro movimento, o ataque.
O meu fim.





Tenho de me abstrair do sonho desta noite... Tenho de me abstrair do sonho desta noite... Tenho de me abstrair do sonho desta noite...

educação parental

confesso, só consigo imaginar uma enorme gargalhada se fosse confrontada por um filho assim!
atenção
post reproduzido na íntegra
do blog sim no referendo

GP-fBD.jpgCreio que é compatível o voto na despenalização e o ser - por pensamentos, palavras e obra - pela cultura da vida em todas as circunstâncias e contra o aborto. O "SIM" à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, dentro das dez semanas, é contra o sofrimento das mulheres redobrado com a sua criminalização. Não pode ser confundido com a apologia da cultura da morte, embora haja sempre doidos e doidas para tudo. Frei Bento Domingues, Público, ontem.

brilhantismo.

Eu votei NÃO há 8 anos.

Pois, votei NÃO, não via outra coisa à frente que não fosse o embrião/feto, não me conseguia abstrair. Há 8 anos, ao tentar reflectir sobre esta questão só pensava na interrupção daquela vida, não conseguia pensar em mais nada, não conseguia respeitar mais nada. Tive discussões imensas com amigos, a minha família era toda do não. O tempo passou, eu mudei, não vale a pena descrever aqui o processo que é meu, reflecti e aprendi a ver outras realidades.
Desde que se retomou esta discussão na actualidade política, com data marcada, curiosamente, só tive uma conversa com uma pessoa que vai votar não. Essa pessoa que se assumiu do não referiu sê-lo por um certo receio do que pode acontecer, pelo flagelo… o possível aumento do número de abortos se despenalizado. Pelo que me parece, essa pessoa vota não com a ideia de que, sendo penalizado o aborto, as mulheres não recorrerão tão facilmente (por impulso!?!) a ele e se pode, talvez, salvar pelo menos um feto, qualquer coisa assim. Pois, não me parece uma teoria muito sólida, não sei como vai o Estado assegurar a IVG às mulheres, mas não me parece que venha a ser um serviço instantâneo. Quero dizer com isto que, mesmo conhecendo as limitações do nosso SNS, não me parece que a IVG venha a ser realizada sem a participação da equipa médica, como explica o Dr. Mário Sousa «É nossa obrigação enquanto médicos saber por que não o podem fazer. Se o problema é a família ou o parceiro, devemos oferecer-nos como mediadores. Se invocarem razões económicas, devemos chamar uma assistente social afectiva e compreensiva que as acompanhe e lhes indique meios de subsistência.». Podem chamar-me ingénua quanto ao SNS, mas eu só posso esperar e exigir aquilo a que tenho direito, assim, espero que seja assegurado às mulheres um serviço de apoio na decisão quando existe dúvidas, serviço este que não existe DE CERTEZA no aborto clandestino. Atenção que estou a falar de situações dúbias, não estou a por em causa as razões das mulheres que sabem o que querem e a quem as certezas sobre a IVG são infinitamente maiores do que as dúvidas.

Diz que… É preciso é respeitar a ideia de cada um… ser-se humilde e essas coisas ditas de bem...

# Quanto ao cidadão que vota não, porque não, porque só vê o feto à frente e não consegue enxergar mais nada, só posso dizer que pouco há a fazer senão esperar que se digne a sair do seu umbigo e olhar para outras vertentes da realidade.

# Quanto ao cidadão que vota não, mas até concorda com algumas situações, custa-me imenso que tenha o direito de me tratar como uma possível irresponsável e inconsciente. Esse cidadão vota por mesquinhez, porque é isso mesmo - mesquinhez: para concordar com a IVG, esse cidadão que tem o direito de se pronunciar quanto a esta lei varia a opinião consoante as histórias tipo-TVI que lhe são relatadas. A Assembleia da República deu a real possibilidade aos cidadãos de julgar os outros. Acontece que não se dão conta que só podem, e estão... vão mesmo julgar e penalizar as mulheres desfavorecidas ao votar não, porque a realidade manter-se-á como tal se a lei não mudar, ou seja: continua a haver abortos, os mesmos, porque os motivos das mulheres não se alterarão. Não estão a salvar vidas ao votar não, muito possivelmente pelo contrário...

# Não confio num cidadão que não respeita a minha privacidade. Tenho o direito de não partilhar com quem quer que seja os meus motivos pela decisão de abortar (salvo com a equipa clínica dentro do que é a competência de cada profissional de saúde). Se um cidadão precisa de conhecer as minhas motivações para concordar, ou não, com o referido aborto (é ridículo este início de frase, não é? Leiam e repitam em voz alta a ver se não rings-a-bell do ridículo que é esta situação de alguém se achar no direito de interferência) eu digo bah! para esse cidadão e a sua consciência social… Traduzindo a frase que deixei em epígrafe do blog: se não confiam em mim no poder de decisão, como podem confiar-me uma criança?!!!

O que queria mesmo dizer é que quem vota não está a enganar-se e a adiar a legalidade da realidade. A IVG será legal no nosso país, mais cedo ou mais tarde, porque as mentalidades de facto evoluem, tenho pena que até lá tenhamos de esperar mais e continuem a morrer e a sofrer as mulheres desfavorecidas: SIM, falo das mulheres desfavorecidas que é por elas que vou votar. Se estivesse em causa a possibilidade de eu realizar uma IVG em condições de segurança, ficava em casa no dia 11, que quanto ao resto envolvido na IVG não tenho quaisquer intenções de me expor.

Se eu soubesse que todas as mulheres portuguesas tinham os mesmos acessos económicos e afectivos que eu, ficava em casa no dia 11 e sentir-me-ia muito mais respeitada, pois já me parece suficientemente indigno ter de me pronunciar sobre isto num boletim de voto.

No dia 11 voto SIM pela dignidade, por uma questão de saúde pública.

imagem: Vera Drake

uma "certa lógica"




autocolante roubado à mio

a bem dizer, esta árvore de beira de estrada é minha e posso oferecê-la

É bonita, tomei-a para mim. Escolhi um nome para ela: Dia. Num dia do futuro, até posso esquecê-la, não sei. Hoje, esta árvore é minha.
A nossa árvore.
Se eu pudesse, dava um bocadinho deste dia a cada um de vós. Não sei como se faz, assim, deixo-vos as amostras meio-atrapalhadas que registei da árvore que é nossa.
Um dia como hoje. Bem.



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I’d never said Yes for nothing without thinking about some involved aspects of it


por FF, na Tomografia das Emoções

aquele que me explicar o que não é assim tão óbvio... leva uma prenda

Será o aborto uma ameaça tão grave quanto o terrorismo?
#? D. José Policarpo lá foi confrontado por Judite Sousa com a questão… respondeu com a defesa de que se terá feito uma comparação facilitadora deturpando as palavras do padre-que-é-o-mais-santo-de-todos. Afinal, o que o padre-que-é-o-mais-santo-de-todos disse foi que o terrorismo, o aborto e a eutanásia, entre outros exemplos, são igualmente atentados contra a vida. Ficámos, então, esclarecidos: não houve tentativa de comparação. (!?!)

#? O padre-que-não-é-tão-santo-quanto-o-que-vive-no-vaticano até compreende os casais que decidem pela IVG no caso de infelicidade de ter um filho deficiente. ‘tão a ver? Até é tolerante.

O que interessa é a tolerância, meus caros. Tenhamos a lei escritinha a penalizar uma realidade existente que os senhores juízes lá vão encontrando forma de a contornar. Mantenhamo-nos no não apoiado pelo obscurantismo que é apanágio da história da humanidade.

Medo a medo, enche o paternalismo o papo.
Agora, não à despenalização da IVG, por medo. Não podemos correr o risco de haver essa coisa do demo… a. l i b e r a l i z a ç ã o.
O que não compreendo é o medo de que se venha a realizar (mais*) abortos depois da despenalização. Não saberão já os defensores do não que o aborto É?
Num quadro de real despenalização da IVG, não imagino que no SNS se crie um sistema de IVG à moda da freguesa. Suspeito que poucas, ou nenhumas, perguntas serão feitas à mulher que se dirige aos serviços de aborto clandestino… Imaginam mesmo os defensores do não que, na possibilidade da despenalização, as equipas médicas estejam ali tipo alfaiate que apenas tem de fazer a casaca segundo o desejo do cliente? Desconhecem na totalidade as realidades dos outros países onde é liberalizado?
Imagino que, por exemplo, a possibilidade de alguém vir a fazer um aborto por coação será bem maior num sistema de penalização do que na liberalização, passa-se tudo num sub-mundo em que a mulher que possa ter dúvidas e não tenha meios de se esclarecer será mais facilmente induzida no equívoco, até porque está pressionada pelo "pormenor" da ilegalidade do acto. E penso que não é necessário falar de mais realidade (REALIDADE, no singular)… as complicações pós-intervenção de que tantas mulheres são flageladas, como outro exemplo.
Estes medos, para mim, são tanto maiores quanto a clandestinidade à qual esta realidade continua a ser confinada.
A história é sempre a mesma, de facto. O terrorismo, o aborto e a eutanásia, entre outros exemplos, são igualmente atentados contra a vida, explicou o padre-que-não-é-tão-santo-quanto-o-que-vive-no-vaticano.
Agora, não à despenalização da IVG, por medo. Depois, não à eutanásia, por medo. Não podemos correr o risco de haver alguém a decidir e no dia seguinte se arrepender… ah, pois já não estará cá para se arrepender caso surja a cura para a sua doença no exacto dia seguinte à aplicação da eutanásia. (não, não é leviandade minha a falar da eutanásia, chamemos-lhe ironia sobre alguns argumentos contra)

Não há pachorra.
Enfim, e tal. E coisa. Isto sou eu a falar, que é a falar que a gente se entende… ‘xa cá ver… eu penso assim, e tu como pensas? Dou por mim intolerante… com a intolerância do “eu até sou tolerante, mas… não”.
Continuemos com tudo na mesma. Como a lesma.

Que mau feitio, margarete.

porque sim

deixo aqui, na íntegra, este texto de Ana Matos Pires, médica psiquiatra pela escolha
(resisti e não fiz bolds, recolho-me e deixo-vos a ler sossegados)


Aborto e psiquiatria

Enquanto psiquiatra, sempre me bati pela não psiquiatrização da vida quotidiana. Defendo esta minha posição por duas razões principais. Primeiro, porque me parece que a normalidade é, felizmente, suficientemente lata para comportar um mundo de diferenças e, em segundo lugar, mas não menos importante, porque a doença mental é profundamente disruptiva, com consequências para o próprio e para terceiros, pelo que a decisão diagnóstica se deve revestir do maior rigor possível. Além disso, quero continuar a poder reagir, adequada e saudavelmente, com tristeza, alegria, raiva, irritação a diferentes acontecimentos da minha vida, sem que isso determine o diagnóstico de perturbação depressiva, bipolar, do controlo dos impulsos ou uma outra qualquer perturbação não devidamente fundamentada em critérios médicos!

Serve esta introdução para falar, medicamente e com a maior honestidade, sobre o binómio aborto e psiquiatria.

A definição de uma entidade nosológica obedece a um conjunto de regras metodológicas que permitem a sua objectivação. Os mesmos princípios são aplicados à definição de uma entidade sindromática mas, neste último caso, apenas há que provar a consistência daquele conjunto de sintomas e sinais, não sendo necessário, por definição, adjudicar-lhe um factor etiopatogénico definido. Tomemos como exemplo o síndrome febril. Do ponto de vista etiológico ele pode ser secundário a uma infecção, uma neoplasia, uma doença auto-imune, isto é, a um mesmo síndrome podem corresponder diferentes entidades clínicas ou, melhor ainda, nosológicas. Assim, por não se lhe aplicarem as premissas acima referidas, não faz sentido falar em Síndrome Pós-Aborto (SPA).

Enquanto entidade nosológica autónoma ele também não existe. Nenhum dos dois instrumentos classificativos internacionais mais amplamente usados em psiquiatria, a International Classification of Diseases, 10th Edition (ICD-10) e o Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders, 4th Edition, Text Revised (DSM IV-TR), lhe confere identidade própria, nem o refere como sub-tipo de qualquer uma das possíveis categorias diagnósticas, nomeadamente não está contemplado como sub-tipo da Perturbação Pós Sress Traumático. (Se quisesse ser demagógica ou intelectual e cientificamente desonesta era altura para argumentar pelo contrário, os quadros afectivos e psicóticos pós-parto estão e não é por isso que se torna defensável criminalizar a gravidez!...)

Já agora, permitam-me um parêntesis para dar conta daquilo que, do ponto de vista médico, considero informações que fogem à verdade ou que não são correcta e devidamente sustentadas em termos clínico-científicos. Sendo imputadas a dois médicos, o assunto assume relevância acrescida.

Um destes dias li, num texto da autoria do ginecologista e mandatário de um dos movimentos do “Não” J. Malta, a seguinte passagem “O que dizer então sobre as consequências [do aborto] sobre a saúde psíquica da mulher? A existência de uma síndroma pós-aborto é escondida ou, pior, negada por sectores sociais sempre dispostos a citar autores favoráveis às suas teses. A realidade dos factos, atestada pelas mais eminentes figuras da psiquiatria portuguesa, bem conhecedoras do nosso campo psicopatológico, impõe-se a qualquer observador imparcial.”

Parece-me claro, pelo que já referi, que não se escondem ou negam síndromes. Consubstanciam-se e validam-se, ou não, com recurso a instrumentos metodológicos. Num ponto estamos de acordo Dr. Malta, a psiquiatria nacional tem figuras eminentes, agora que já tenham atestado a existência do SPA é que desconheço. Qual é a referência bibliográfica? Já agora, Senhor Doutor, mesmo não sendo psiquiatra é obrigado a saber que a psicopatologia geral não tem o “meu”, o “teu” ou o “nosso” campo, isso é para as couves. Ah! E concordo consigo outra vez, “A realidade dos factos… impõe-se a qualquer observador imparcial”, sendo exactamente essa uma das razões que me farão votar Sim no referendo de Fevereiro.

O mesmo tipo de observações merecem-me as declarações atribuídas à Dra. Margarida Neto, em relação às quais e por maioria de razão, já que se trata de uma médica psiquiatra, aumenta a minha perplexidade e a gravidade da desinformação veiculada! Segundo a edição de 5 de Janeiro do Jornal da Madeira a referida médica terá afirmado "dado que a actual lei já prevê excepções, como os casos de violação, malformação congénita ou de perigo para a mãe”… Vamos lá ser honestos e referir com exactidão as situações de excepção previstas na actual lei! Consulte, a este propósito, a resposta que o Colégio da Especialidade de Psiquiatria deu, em Dezembro de 2004, a um conjunto de questões colocadas pela jornalista Fernanda Câncio e às quais, de resto, alguns apoiantes do “Não” já chamaram, pública e erradamente, “Parecer”. Continuando a citar a mesma fonte “referiu também que 65% dos casos de aborto verificados, a mulher é coagida pelo companheiro, ou pela família mais próxima”. Já em relação ao SPA terá afirmado “que afecta milhões de mulheres em todo o mundo, aumenta, em sete vezes, o risco de suicídio”. Pergunta que se impõe, quais são as referências bibliográficas onde se apoiam estes dados? Entretanto, no dia seguinte, a RR atribuía à Doutora da “Plataforma do Não” as seguintes declarações “As mulheres também têm que ser informadas de que, ainda que tenham situações angustiantes que as levem a pensar fazer um aborto, aquilo que herdam é uma complexidade de problemas: por exemplo, sete vezes mais suicídios, 40% das mulheres têm depressão, 60% são coagidas a fazer um aborto, aumenta os riscos sobre os filhos por nascer, aumenta o divórcio”. Fontes científicas de sustentação, por favor, Dra. Margarida Neto! E quais são os riscos sobre os filhos por nascer? E misturar estes dados de epidemiologia médica, teoricamente científicos, com o divórcio!? Apesar de tudo, uma nota de esperança – a percentagem de mulheres coagidas diminuiu 5 pontos em apenas 24h! Fantástico! Mas eu quero mais e, também por isso, porque quero dar às mulheres a possibilidade de decisão e, consequentemente, tornar possível a activação dos mecanismos legais quando tal não acontecer (irão concordar que se o assunto estiver expresso na lei será possível fazer-se-lhe apelo), votarei Sim no referendo de Fevereiro.

Que o aborto é um acontecimento de vida importante e complexo, passível de alterar o funcionamento cognitivo e emocional da mulher e determinar sofrimento psicológico, é obviamente verdade, sendo esse sofrimento particularmente intenso na altura de ponderar a decisão a tomar. Mas também não minto se afirmar que é, em simultâneo e para muitas mulheres, fonte de alívio, de eutimia e de normalização da reactividade emocional. No folheto que é entregue a qualquer mulher que pretenda fazer um aborto na Grã-Bretanha, cuja responsabilidade é do Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, o equivalente ao Colégio de Obstetrícia e Ginecologia da Ordem dos Médicos em Portugal, pode ler-se “A maneira como irá reagir dependerá das circunstâncias do seu aborto, das razões que a levam a fazê-lo e de quão segura se sente da sua decisão. Pode sentir alívio, tristeza, ou uma mistura de ambos”. Anota também aquela organização “alguns estudos sugerem que as mulheres que abortaram podem estar mais vulneráveis ao aparecimento de doenças psiquiátricas ou risco de comportamentos auto-lesivos, quando comparadas com mulheres da mesma idade que não abortaram. Contudo, não há nenhuma evidência que estes problemas sejam realmente causados pelo aborto; com frequência desenvolvem-se na continuação de problemas previamente existentes na vida da mulher”.

Como seria de esperar, e porque a decisão de abortar é um processo complexo, a presença de um conjunto de sentimentos negativos inespecíficos, como a tristeza e a culpa, após uma IVG é comum, mas são transitórios e não configuram um diagnóstico psiquiátrico. Tenho é a maior das dúvidas que a criminalização não contribua ainda mais para esse mau estar psicológico reactivo. E que considerações tecer sobre os efeitos de uma a gravidez não desejada?

Vejamos a coisa do outro lado. Que entidades nosológicas psiquiátricas sustentaram, até aqui, a aplicabilidade da actual lei? Nenhuma! Mas a actual lei também não obriga à existência de um diagnóstico específico. Nestas alturas lembro-me sempre de uma frase que ouvi ao Prof. Nuno Grande, de quem tive o privilégio de ser aluna, “No decorrer da vossa prática clínica lembrem-se que inúmeras vezes, em medicina, não existem doenças, existem doentes!”. E esta também serve para o argumento “gravidez não é doença”! Pois não, mas também não é um antídoto universal contra ela, nem tão pouco lhe são reconhecidas quaisquer acções profilácticas ou preventivas! E o aborto é um acto médico!

De qualquer modo, por me parecer que a actual lei é manifestamente insuficiente, vou votar Sim no referendo de Fevereiro.

Ana Matos Pires




Ps: Já depois ter terminado o texto de cima pude saber mais sobre as declarações da Dra. Margarida Neto ao ler, no jornal Público de dia 7-1-2006, uma peça intitulada "Movimentos do «Não» vão buscar argumentos a estudos finlandeses". Diga-se, em abono da verdade, que houve uma evolução de monta na informação prestada, passámos a saber o país de origem dos estudos que terão servido de base a tais afirmações! Em contrapartida, coisa que desde já lamento, parece que os níveis de coação sobre as mulheres não mantiveram a tendência descendente observada no dia anterior! (ao que acabei de fazer chama-se "concluir sem fundamento"… não se pode fazer, pois não?). Mas a perplexidade total aconteceu, em definitivo, com a seguinte passagem "quando as pessoas entram numa rota esquisita ou num ciclo traumatizado, enquanto não forem tratados, estão sempre a repetir uma conduta auto-destruitiva, destruitiva da família e dos filhos"! "rota esquisita"… "ciclo traumatizado"?! Não foi esta a semiologia psiquiátrica que me ensinaram e, estou em crer, que à Dra. Margarida Neto também não. A responsabilidade das nossas declarações é tanto maior quanto maiores são as nossas obrigações de conhecimento e formação.






deixo esta fotografia fica à laia de uma oferta para duas irmãs do SIM, pela escolha

obrigada

A Love Story - Ten Years On, 1984
Jan Saudek





ser [ ser ] mutante

I a XIV

dawn no.1, 1959
Jan Saudek

[ quando a defesa desfoca ] [ desaguar em tons de cinza ]






quem disse que o aborto é um momento de felicidade na vida da mulher?

Que eu tenha ouvido até agora, ainda ninguém disse que o aborto é um momento de alegria na vida de uma mulher. Anyone… ?
Como o entendo, a decisão e concretização do aborto é um momento que envolve questões essenciais da vida da mulher, jamais o entenderia para mim como algo positivo mas como uma eventual solução.
Nunca ouvi alguém dizer que o dia em que abortou foi um dia feliz, já ouvi relatos de pessoas que disseram ter sido um alívio, a melhor decisão que poderiam ter tomado nessa altura da sua vida, etc.

Faço um pedido aqui no ar: alguém me linka ou envia as bases científicas do Professor Vaz Serra, sff?
Leiga como sou, tenho muitas dúvidas, muitas! Certamente que as verei esclarecidas ao ler os ditos estudos em que se garante as consequências psicopatológicas nas mulheres que praticaram a interrupção voluntária da gravidez. São estudos científicos, ora!
Com certeza que verei esclarecidas as minhas dúvidas! Por exemplo:

# se os estudos com base científica dizem que “É mentira dizer que nenhuma apresenta trauma pós-aborto” então é porque é mesmo! De certezinha absoluta que usaram uma amostra fidedigna de mulheres que abortaram na clandestinidade correndo o risco de serem acusadas, julgadas e encarceradas, mulheres que vivem numa sociedade que é baseada na hipocrisia e na culpa judaico-cristã.

# se os estudos com base científica dizem que "o número de mulheres com possibilidade de desenvolver uma depressão é três vezes superior entre as que foram submetidas a um aborto, comparativamente com as que nunca o fizeram." é porque o estudo comparou cientificamente grupos de mulheres nas mesmas condições socio-económicas: um grupo teve intenção de aborto e não o realizou ( hoje devem ser todas felizes, nenhuma sofreu de depressão pós-parto, etc, huh?), no outro grupo as mulheres realizaram a interrupção da gravidez (hoje são mulheres – 3x+ - deprimidas… e absolutamente desestruturadas porque realizaram uma aborto?).
Ah! As mulheres do segundo grupo não apresentam o quadro clínico que o professor refere porque ter-se-ão vistas numa vida de clandestinidade pelo que entendem ser o direito à escolha delas, não, isso não é uma variável que interesse ao estudo, penso eu… sei lá... também não deve ser muito relevante o facto de que a as amostras tenham sido eventualmente recolhidas entre grupos de apoio de mulheres que se arrependeram de o ter realizado. Por acaso já tinha ouvido falar de mulheres para quem o aborto fui uma solução, a única solução possível nas vidas delas, mas devem todas ter-se arrependido entretanto, ou então são só 0,001 % da população de mulheres que realizou a interrupção voluntária da gravidez. Não acho possível que tenham manipulado a amostra, não pode ser, é um estudo científico! Sabem quantos abortos se realizam em Portugal - sim, Portugal, porque é das mulheres portuguesas que falamos, a sociedade em que se insere a população em estudo do risco de depressão é uma variável a controlar, não é? Ou não é, e isto sou eu, leiga, a meter o bedelho nos assuntos dos Professores e deveria era estar caladinha? De certeza que sabem que abrangeram as possibilidades da população na amostra, de certeza!
Quanto às mulheres, essas tantas mulheres, a maioria, quiçá todas as mulheres, que foram coagidas a fazer o aborto… pá, é lixado! Quer dizer que as mulheres não fizeram a interrupção da gravidez em consciência?! Foram coagidas?! Que horror!
Ai! Ai! Estas mulheres tontinhas, cabecinhas no ar!

Estes professores é que nos valem! Os professores deste calibre científico são a melhor coisinha que nos podia acontecer, já viram o flagelo que era se não nos tivessem vindo mostrar que as mulheres que praticaram abortos estão deprimidas e que as que tiverem os filhos são felizes daqui até ao céu?! Na certa vão mesmo ganhar o céu!
Aleluia!

porque sim

Um referendo

Dizem que vai haver um novo referendo sobre se devemos continuar a mandar a polícia perseguir, interrogar, prender, levar a julgamento e condenar as mulheres pobres que engravidaram e não querem ter filhos.

Eu não percebo porque é que os deputados são competentes

para decidir que o Serviço de saúde e o Teatro Nacional podem ser privatizados, as células estaminais não devem ser usadas para tratar doenças horríveis, os crimes desportivos não são bem crimes, o casamento é um sacramento entre um homem e uma mulher, um desgraçado que quer morrer e não sabe como não pode ser ajudado

e devolvem ao povo a soberania para uma decisão tão simples

como a de não interferir na decisão intima de uma mulher que está nas primeiras semanas de uma gravidez indesejada.


Luís, n'A Natureza do Mal
Hugo... ;)

luz





Boicoto o cigarro.
Acendo o isqueiro pela terceira vez, enveredando por uma inalação profunda.
São os sinais deste tempo.
Desprezo a jorros esta característica de fala encapuçada.
Sabes, como nos sonhos.
Porque não ser a claridade de pensamento?
Fatigo a passos o meu ser com a ignomínia com que desafio a minha cognição.
É este um dos ócios que me assola enquanto estou pardacenta.

cuidadinho!

resíduo

Este café não tem encanto, é uma pastelaria/snack-bar. As paredes são um forro de cerâmica a imitar mármore verde. As cadeiras devem ser design (como oiço dizer por aí, “é muito design”, também já ouvi dizer “é muito fashion”), o forro das cadeiras imita cerejeira. Vende-se água gaseificada artificialmente, a vários sabores. A meia-de-leite foi-me servida tal como gosto: com espuma e aquele pequeno círculo castanho por entre a espuma a anunciar muito café, morna, como gosto.
Esta folha de papel não é de tom areia, como gosto. Esta é a folha de um bloco, com um rodapé publicitando um produto especializado na comunicação humana. Não escrevo a preto-fino, escrevo a azul, caneta de bico médio.
Do guarda-fatos saiu a primeira camisola quente que a minha mão apanhou, sem olhar a meios de toilette-a-combinar, esta camisola cobre-me. De dentro para fora, sem olhar espelhos, tenho certeza de hoje não haver beleza no meu corpo. Da minha face não quero ver reflexos.
A cerca de 2 metros e meio deste meu corpo, a imagem do homem incapacitado pelo tempo atravessa a montra. O homem faz três tentativas até conseguir organizar-se de forma a sair do automóvel. São muitos minutos eternos. O meu corpo imóvel acompanha os movimentos da minha mente sem faculdade de entre-ajuda. Enfim, o homem desaparece do meu alcance.
Passa então a mulher. A mulher feia é a coisa mais bonita do meu dia. A mulher bonita deixa que os meus pés assentem o chão.
Gosto do lenço que envolve a cabeça dela.














photo da série ruínas

percurso

do haloscan até aos arquivos do blog (passando pelo sitemeter, tomando conhecimento através do google)

pró

solvstäg said...
1) O debate acerca da interrupção voluntária da gravidez não se confunde, nem exige, o debate do começo da vida humana, intra-uterinamente.
2) O que se discute é saber se é aceitável despenalizar essa interrupção, alterando o quadro legal actual.
3) Ou seja, manter a condenação moral, feita individualmente e conforme a consciência de cada um, mas evitar a condenação social, à boca do tribunal.
4) Por outro lado, oferecer condições de saúde e higiene hospitalares ou clínicas a quem, por sua iniciativa, delibarada e conscientemente, decida interromper a gravidez.
5) Ainda que se discutisse a vida humana, sempre se teria de reconhecer que ela é banalizada diariamente, por todos nós.
6) Manter o actual estado de coisas é manfestamente hipócrita.
7) Finalmente, gostava de saber por que razão a Assembleia da República (ou o Governo, em proposta) entendeu não ter legitimidade para legislar nesta matéria penal, sem sujeitar a referendo - é disso que se trata, de matéria penal sobre a qual nenhum de nós devia ser ouvido.

na caixa de comentários de solvstäg aka Hugo (post de 15 de Janeiro)

entretenimento

A pessoa pegou na agenda nova e começou a escrever a eito. Sem discriminar dias, começou assim:







Entretanto, a pessoa pausa um bocado olhando a agenda do ano cessante. Continua:




(nova pausa)
Estou apenas a preencher páginas porque a insónia deu lugar a este estado de quietação balbuciante. O pensamento não encontra método por onde encetar o sono, é a cabeça, salta entre ideias que não chegam a emoção consolável. Então escrevo numa laia tecnocrata a desgastar-me no tempo intermédio. Parcos minutos restam até reiniciar. Decido e ajo: passo as poucas páginas e encontro o dia referente às próximas horas onde registo o plano da labuta.
É apenas isto,
o entretenimento da linguagem.

não, obrigada

fui ver o que dizem, li muita coisa, fiz até a tontice deste exercício, responder às questões do movimento nao-obrigada
o movimento apresenta o seu manifesto a roxo e cor-de-rosa, respondo a preto neste branco

1. O aborto encontra-se despenalizado em Portugal desde 1984. A lei actual permite o aborto nos casos de perigo de vida da mãe, razões de saúde física e psíquica da mãe, malformação e inviabilidade do feto e violação. Neste referendo o que está em causa não é a despenalização do aborto. Alterar a lei para quê?

Para impedir que mulheres não sejam humilhadas e presas por exercerem o direito de opção ao encontrar-se numa situação não desejada por si. Eu não serei a praticante de demagogia perante uma mulher adulta que terá reflectido sobre os seus motivos ao decidir não ter um filho não-planeado. Circunstâncias indesejadas acontecem e devem ser resolvidas, havendo meios para isso.

2. O progresso e a evolução da ciência permitem hoje um conhecimento e acompanhamento do desenvolvimento do feto no seio materno acessível a todos. O feto não é um ente oculto, mas um ser humano conhecido e directamente observável. Como justificar a liberalização do aborto?

A lei vigente permite o aborto em determinadas situações, então… vai contra a vida também, então… a actual lei já permite o aborto, assim pode dizer-se que a lei não defende um ser humano conhecido e directamente observável. Talvez o passo seguinte dos movimentos do NÃO seja a alteração da actual lei para a total penalização(?!)

3. A lei submetida a referendo estabelece a liberalização total do aborto até às 10 semanas, deixando o Estado de reconhecer qualquer protecção legal ao ser humano até esse momento. Neste referendo o que está em causa é a liberalização total do aborto. Esta é uma opção de uma sociedade solidária?

Pela definição que estou a entender neste contexto, não, de facto, há que fazer um movimento pela penalização total do aborto… já agora, e as crianças cujos pais abortaram por saber que seriam portadoras (a nascer, claro) de trissomia 21? E as crianças inocentes só porque o pai violou a mãe? São menos vida, senhores do NÃO à despenalização?

4. A lei que vai ser referendada consagra o aborto livre, por opção da mulher, feito gratuitamente em hospital público do Serviço Nacional de Saúde ou em clínica privada financiada com os impostos pagos pelos contribuintes. O aborto deve ser financiado pelos contribuintes?

O aborto já é financiado pelos contribuintes, assim como tratamento de mulheres com complicações após abortos realizados na clandestinidade.

Os custos de julgamento e prisão de mulheres que realizaram abortos financiados pelos contribuintes?

5. O aborto tem efeitos destrutivos na vida das mulheres, deixando muitas vezes danos físicos e psíquicos irreversíveis. O aborto é uma falsa solução. O aborto é uma solução para a mulher?

Bem, segundo este pressuposto… Proíba-se então TOTALMENTE o aborto… seja quais for as condições.

Danos físicos e psíquicos irreversíveis? Cuidado com as generalizações e manipulação da informação.

E a obrigação a uma situação de vida irreversível?

6. A protecção e promoção da mulher, o apoio à maternidade e à família e uma aposta no planeamento familiar responsável são as respostas adequadas ao drama do aborto e às suas causas profundas. São estas as prioridades para o estado?

Não deveriam ser?

7. A experiência dos países onde o aborto a pedido é legal mostra que a liberalização determinou um aumento generalizado do número total de abortos e não eliminou os problemas económicos e sociais que estão na sua origem. A liberalização do aborto resolve algum problema económico ou social?

Resolve SIM, a exposição pública e humilhação de mulheres que decidiram e agiram segundo sua própria consciência com a agravante de serem punidas (isto se os juízes aplicarem a lei, que é o que eu espero que um juiz faça, seja qual for a sua – e a minha - opinião enquanto cidadão: aplicar a lei vigente)

A penalização do aborto resolve algum problema económico ou social?

nota: acho curiosos esses números que revelam a quantidade de aborto clandestinos realizados…

8. A rede de solidariedade e de apoio social criada desde 1998 pelos apoiantes do NÃO estende todos os dias uma mão amiga às mulheres grávidas que se sentem sós e precisam de ajuda. O que tem feito o Estado?

Essa rede de solidariedade e apoio social financia a vida das crianças das mães pobres?

Essa rede de solidariedade e apoio social, lamento mas não serve para mim, pois parte do pressuposto de que a mulher tem de manter a gravidez indesejada, a única solução que considera é a manutenção da gravidez em causa, não respeita a capacidade de decisão da mulher sobre a sua vida e pode ser muito danosa na manipulação das mulheres.

Essa rede de solidariedade e apoio social não respeita a mulher enquanto ser consciente e responsável.

O Estado? Desejo que eduque os jovens, não desejo, de todo, que o Estado tenha uma acção demagógica sobre decisões da minha vida como tem essa… rede.

9. A lei que vai ser referendada cria um quadro legal que ignora por completo o papel do homem, excluindo-o de qualquer intervenção na decisão sobre a continuação da gravidez. Paridade e igualdade de direitos entre homem e mulher?

Só faltava isso na minha liberdade. Sou solidária com o desgosto que possa ser para um homem não poder interferir na decisão, mas, já agora… paridade e igualdade de direitos é uma mulher ter um filho indesejado porque o homem não concorda com o referido aborto? Era mesmo só que faltava nos meus deveres de cidadã.

10. A liberalização do aborto promove o facilitismo e a desresponsabilização numa sociedade que se pretende mais solidária e comprometida com o bem comum. O aborto livre promove uma sociedade mais justa?

A despenalização do aborto não promove o facilitismo e a desresponsabilização, mas promove a possibilidade de legalizar a realidade já existente dignificando as mulheres obrigadas a agir em clandestinidade, façam o favor de não chamar irresponsáveis às mulheres activas e contribuintes deste país. Uma sociedade que se pretende mais “solidária e comprometida com o bem comum” não é demagógica e assume que existem situações indesejáveis que ocorrem às pessoas, essa sociedade não deverá obrigar as pessoas a prosseguir com essas situações indesejadas se existe a possibilidade de solucionar as mesmas.

Por estas razões, a Plataforma defende que neste referendo os portugueses devem:

Dizer não à alteração da lei do aborto - Eu digo SIM

Dizer não à liberalização total do aborto até às 10 semanas - Eu digo SIM

Contribuir para uma sociedade que proteja a vida do nascituro - E a protecção da vida da mulher que já existe?

Impedir que o Estado aplique impostos a financiar o aborto - Com que dinheiro são pagos os cuidados a mulheres que realizaram abortos clandestinos e que sofreram complicações? Já agora, retire-se esse financiamento, não?

Impedir que as mulheres sofram danos físicos e psíquicos - E os danos por se ser obrigado a seguir um rumo de vida que poderia ser alterado, não se considera?

Promover a protecção da mulher e o apoio à maternidade - Concordo plenamente. Mas isso o que tem a ver com o facto de existir mulheres que desejam abortar… em legalidade?

Promover o planeamento familiar responsável - Concordo plenamente. Mas isso o que tem a ver com o facto de existir mulheres que desejam abortar… em legalidade?

Contribuir para que o número de abortos não aumente - Concordo plenamente. Mas isso o que tem a ver com o facto de existir mulheres que desejam abortar… em legalidade?

Apoiar a intervenção de instituições de ajuda às mulheres grávidas - Concordo, embora ache que é obrigação do Estado essa função directa. Mas isso o que tem a ver com o facto de existir mulheres que desejam abortar… em legalidade?

Promover a igualdade do pai e da mãe na decisão sobre a gravidez - Tirar o direito da mulher à decisão soberana sobre o seu corpo e deixá-la subjugada à vontade do homem, portanto.

Resistir ao facilitismo e à desresponsabilização da sociedade perante a maternidade -

Demagogia e hipocrisia? Agora digo eu: NÃO, obrigada.

Lendo as razões do NÃO à despenalização do aborto chego a duas conclusões:
#1 embora seja muito complexa a questão do aborto, sou, definitivamente, a favor da sua despenalização
#2 afinal, a principal tarefa dos movimentos do NÃO deveria ser a proposta da total penalização do aborto.

ICAR é atropelo à civilização


Uma igreja cuja "lei que permita a destruição da vida humana é um atropelo de civilização, sinal de desvio preocupante no conjunto de valores éticos que são a base das sociedades humanistas, tão arduamente construídas ao longo de séculos", escreve D. José Policarpo num documento intitulado "Referendo: Sim ou Não".
D.José Policarpo refere que
a defesa e a protecção da vida são um valor fundamental na estrutura de uma sociedade justa, onde o valor da vida humana é o principal fundamento da dimensão ética que deve inspirar toda a convivência em sociedade.


assim sendo, o padre vota sim, certo?

a lei de uma igreja que desencorage a população da utilização de contraceptivos (nomeadamente do preservativo, er... nosso aliado na luta contra a SIDA) é um sinal de desvio preocupante. (isto é um exemplo)


* itálicos são copy-paste da notícia linkada

Complicadíssima Teia



Quem põe certezas na vida
Facilmente se embaraça
Na vil comédia do amor;
Não vale a pena ter alma
Porque o melhor é andarmos
Mentindo seja a quem for
Gosto de saber que vives,
Mas não perdi a cabeça
Nem corro atrás do desejo;
Quem se agarra muito ao sonho
Vê o reverso da vida
Nos movimentos dum beijo.
Ando queimado por dentro
De sentir continuamente
Uma coisa que me rala;
Nem no meu olhar o digo
Que estes segredos da gente
Não devem nunca ter fala.
Talvez não saibas que o amor,
Apesar das suas leis,
Desnorteia os corações;
- Complicadíssima teia
Onde se perde o bom senso
E as mais sagradas razões.

António Botto






a 16 de Janeiro de 2006, na Complicadíssima Teia

photo de Sandra Ferrás

When I Grow Up

Pedro, quando for grande quero ser parteira de histórias.

passo a outros e não ao mesmo: à Blue, à Dolphin.s e ao Carlos.

[ às flores da pele ]

Digo o lamento, que o mundo é excessivo para se estar a existir. Olho para o lado a querer um vidro, a querer ouvir os seus estilhaços. Encontro pedras em cima da secretária e sou assolada pelo amor com que o meu pai me ofereceu cada uma. Percorro outros objectos e a lembrança de cada um dos doadores. Deixo os vidros inteiros. Leio um só poema. Arrepio-me. Um pedaço de mim voltou a morrer. Arrepio vida. O corpo emana este calor aguado e celebro o recente desejo – usar aguarelas, mesmo sem saber a arte. Tons soalheiros com a pujança da água. Um dia.
Vou. A música redime um pouco mais de tempo enquanto a estrada não acaba.
Coisa espantosa... esta coisa da nobreza dos afectos e da sua teima em nos alçar, constato.

Guardo este pequeno vidro dentro do bolso.

presenças

(...)
fere-se na vidraça o reflexo decomposto do meu rosto
no regresso a casa
há horas em que estar feliz
é quase complacente ausência.


blue in
blue moleskin

Os meus braços estão levantados. Abertos. Abriram-se no último dia azul, desde então ficaram assim. Se alguma coisa fica para trás é porque a sua realização exige que baixe os braços, não posso. Talvez conseguisse, mas não quero. Os meus braços estão levantados. Abertos. E eu faço uma roda-viva com o corpo a ver se levanto voo. Uso o vento corpóreo com os meus moinhos.

som: india song, les hurleurs ;)


gosto de chuva, mas também me ponho a andar assim :)



aviso à clientela: é possível que nos próximos tempos não seja tão assídua quanto o habitual por aqui, mas vou estando ali e ali :)

sonho de uma 6ª feira de Inverno

começar com um passeio de fim de tarde

depois...

tónico, com gelo e meia rodela de limão
+ tom waits
+ livro
+ a companhia d'os nossos
________________________
um belo lusco-fusco

bom fim de semana, gentes :)

dias assim [ aguardando a hora de saltar para dentro de um livro ]

worldfull days

Nada é a palavra que faz este movimento enquanto da luz chegará novamente a escuridão.
A palavra do tempo continua a jogar, e a gente continua no palco.
Como entretenimento compomos redacções a não fingir que se passa esse tempo.

As redacções não são operações de charme pelo que declinamos o sucesso de palavras bem-parecidas. Somente palavras honestas exaltam os breves contentamentos necessários à existência de elos entre estes hiatos.
Nos intervalos dos dias atestados de mundo entretemo-nos a colar palavras estouvadas.

A perfect day, 1999
Maurizio Cattelan


Eu não sou eu nem sou o outro
Sou qualquer coisa de intermédio
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o outro


Mário de Sá-Carneiro

vamos ao museu... botânico

o Dr Gica convida

nota: é 6 de Janeiro e não 4 de Novembro

maggie's oficialmente amuada

com o novo fancy google account do blogger
hmpf!

recalque, censura e resistência

Ao reparar no degelo do bloqueio, chorou.
É natural que tenha vertido lágrimas. Compreende-se. As frieiras nas mãos e nos pés também ajudaram ao pingar dos olhos. Sobretudo as mãos, estavam muito feias, e doíam. A sua estupefacção era estranha, sem ser singular. Talvez não se possa afirmar que chorou por “reparar no degelo do bloqueio” mas por perceber que o bloqueio era provavelmente significado de haver criação pré-bloqueio, algures teria havido invento e isso era extraordinariamente tocante.
«(de mãos feridas) Corpo ágil e a mente desalmadamente aberta Ossos sem pontas soltas esqueleto armado ao equilíbrio Musculatura consistente com a mente Perseverante com todas as fracturas inerentes a fazer de extravagância A perseverança sem provar As suas propriedades Em maneiras de talento
Assim resistente.», disse a tentar inibir qualquer entoação que lhe trouxesse emoções prontas-a-viver. Um exercício apenas.

32 de Dezembro [ afinal ]

Hoje acorda-se estranhamente
e é dia 32 de Dezembro
os foliões quedam-se de olhos
fixos e bocas entreabertas

E nos oceanos os navios
abandonados por marinheiros com fatos
de palhaços e outros acessórios
a fingir que se é algo ou
que simplesmente não se é

nesse dia veio a devastação
o mar perdeu o sal que se colou ao céu
turvando o dia que perdeu assim a
luminosidade habitual do sol
a pique às 12 horas

os peixes em desespero suicidaram-se
ocupando todas as margens de mares
rios riachos lagoas tanques e fontes

os homens estão incrédulos e perguntam-se
se chegaram ao final

Carlos Veríssimo


bom ano 2007 para todos!
:)

I'm sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com












































Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.


Alberto Carneiro