la caisse du mouton
Antoine de Saint-Exupéry

[ mortalha ]

Na força da hora da morte puxou o amigo pelos colarinhos para junto dos seus lábios e disse adeus.
Acrescentou de punhos encerrados:
– estou arrependida
tantas vezes me cansei
das coisas que não fiz.

[ linguagem e comunicação não-verbal ]

Ao vê-la passar do quarto para a casa de banho soube que iria ter uma erecção. Ela parou a meio do caminho produzindo a expressão facial que a ele indicava bons presságios.
Quando lhe disse “faz amor comigo” já ele tinha as mãos no corpo dela. A relação sexual aconteceu, ali na sala. Foi muitas posições depois e ela havendo atingido três orgasmos quando ele enfim ejaculou.
Estes dias seguiram-se de muitos outros contabilizando alguns meses sempre na boa companhia um do outro, o que lhes fez ponderar sobre a possibilidade de juntar os trapinhos. Decidiram e agiram.
No primeiro dia oficial da vida em comum, ao acordar ela sentiu-lhe a erecção matinal, disse “fode-me” e ele saltou-lhe em cima. Vieram-se num instante. Foi um bom presságio.

[ companhia ] [ o segredo estampado na pele* ]

Quantas vezes contaste o teu segredo à voz alta tão alta quanto pudeste, sem que fosse um grito, e nem por isso o conseguiste ridicularizar?
Quando pensas profundamente sobre o teu segredo fica branco tão branco que te doem os olhos?
Estampaste o teu segredo sem palavras nalgum muro perto de ti? E a esse muro… galgaste-o?
É verdade o que dizem: que tens tanto medo de sobreviver sem o teu segredo que o guardas a toda a gente, e que o encontras sempre?
Um passarinho contou-me que te correm lágrimas dos olhos.
Estou a fingir que foi um passarinho que me contou, fui eu que vi.

Quando vi, magoou-me tanto que me lembrei do meu segredo querido.



* título emprestado ;)

série Personagens [ Ramiro ]

75 anos
viúvo há 1 ano, 5 meses e 21 dias
vive numa cidade do centro do país
é reformado da função pública (funcionário público: escrivão de direito)
fumador e grande consumidor de aguardentes
gosta: de ler; provar aguardentes; jogar xadrez com o seu primo Osvaldo aos Domingos à tarde; passar as tardes na sala dos fundos com o cão - Malaquias - sentado à sua beira
não gosta: que lhe perguntem porque não tem filhos
como descrevem o Ramiro:
os amigos - Ramiro tem um amigo, Osvaldo; Osvaldo não se consegue pronunciar na descrição de Ramiro, pára e angustia-se com a lembrança da ideia de que Ramiro se possa ir antes dele, a ideia da "solidão maior" é-lhe demasiado dolorosa
o próprio - [ silêncio ]


Ramiro tem saudades de Lurdinhas

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série Personagens [ Paula ] [ Ricardo ]


entretanto, o Pedro trouxe-nos a [ Luísa ]
:)

pescada nº 5

(...)



3. As pinturas morrem, as esculturas morrem (Duchamp), os livros morrem, como morrem os homens que os criaram. Morrem de forma lenta e discreta, de cada vez que acabam de ser vistos, de ser lidos, ou guardados nos depósitos dos museus ou das bibliotecas(...)

posta de zp _________________________________________________ pescada nº 5

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[ entretanto ]

É da minha ignorância que me vejo e com a preguiça culpada. Fujo de tronos - são estranhos; em repentes, arrepio-me a ver forças sentadas - fujo! A correr desalmada cá para dentro, a fugir forte nem que tenha de vir a descer aos trambolhões, que eu fujo, eu não quero. Confusão.
A preguiça é a pobre expiatória do medo, e o medo é a receita ideal. Já sei quantos anos assim continuarei, digamos que… quantos são na conta exacta, não posso assegurar, mas serão tantos quantos o meu corpo a viver. Não quero ficar a morrer assim tanto tempo quanto se pode ficar. Sinceramente falando, que é a falar sincera que estou a falar, gosto disto de por aqui andar, mas interromperei a marcha quando por aqui andar sem ser a ver andar. Anarquia.
Não gosto disto assim, por aí, além. E, até gosto, disto. Mas isto, se fosse, podia ser, mais… simples? Não, não. Gentil (?), hm… também não? Ou eu, se talvez eu mais fácil, domada me tornasse, mesmo assim aqui, eu poderia? Sou aqui esta ocupante. Tão curiosa que estou sobre o que é afinal o final! Tenho um plano delineado. Continuar.

Arregaça-me aí dentro
que o mundo está muito
para este corpo
em decomposição
do desalento

apreendo-o mais
um pouco
ao mundo
muito

aí dentro
ele floresce
este
o meu corpo
a renovar

e sinto-me
mais um sorriso.



[ Homem ]

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Porque tu és o dia porque tu és.

Mário Cesariny de Vasconcelos
1923 - 2006

bom-dia [ ao domingo outros dias e qualquer coisa aninhada cá dentro ]

domingo. vamos, por entre as gentes. fiquemos com o contágio d'um pouco do que é de bom. um dia. e o prazer do movimento. entre lucidez e atordoamento, o espanto. bom-dia.

no clear escape...

[ o silêncio antes de regressarmos ]

sim
foi agora
passou-se
há algumas unidades de tempo
antes deste instante

morri
da saudade







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photo de Sandra Ferrás

série Personagens [ Ricardo ]

31 anos
advogado, trabalha numa soceidade de advogados prestigiada
namora com Sofia há cerca de 1 ano
vive sozinho há 3 anos, nos subúrbios de Lisboa (apartamento de 2 assoalhadas, comprado com a ajuda dos pais)
a sua paixão de juventude foi o andebol, mas presentemente não tem tempo para se dedicar a este desporto fabuloso
gosta: de ler; namorar com a Sofia; sempre que possível, ir beber uns copos com os colegas no final do dia de trabalho; quando a mãe vai lá a casa pôr tudo em ordem; do Direito.
não gosta de fumadores
como descrevem o Ricardo:
os amigos - "muito inteligente", "grande atleta" e "um porreiraço"
Sofia - "lindo, meigo, inteligente, boa pessoa"
o chefe - "sonhador como todos os jovens advogados, mas promete uma boa carreira... se se mantiver assim"
os colegas de trabalho - #1 "esperto", "sabe fazer as coisas", "quando preciso de ajuda é a ele que recorro"; #2 "ainda não percebi muito bem se é de confiança"; #3 "irrita-me aquele tipo de pessoa que fez sempre tudo tão certinho"
o próprio - "sou advogado, tenho 31 anos, tenho uma namorada, a Sofia, gosto do meu trabalho e desejaria ter mais tempo para praticar desporto"

Ricardo gostaria de ter um cão

série Personagens [ Paula ]

44 anos
sem compromissos românticos (desde sempre)
vive no interior do país
é contabilista
não-fumadora é uma característica a realçar em Paula, pois está quase a completar o 2º ano sem fumar
gosta: de ler; passear à beira mar, actividade que pratica duas vezes por ano - Praia das Maçãs e Praia Grande durante as férias de Inverno e quaisquer praias alentejanas durante as férias de Verão; costurar vestidos para as filhas dos amigos; jantar com um dos 3 amigos, uma vez por semana; e, por vezes, passar uma tarde com os filhotes dos amigos, digamos que cerca de uma tarde por mês, no máximo (mais é demais)
como descrevem a Paula:
os amigos - "amiga do seu amigo", "sempre pronta a dar uma ajudinha com os miúdos" e "auto-suficiente"
o patrão - "uma pessoa muito equilibrada", "certinha"
os colegas de trabalho - "tem a mania que lê muitos livros e que não dá confiança a ninguém"
a própria - "não sei, não faço esse exercício de me descrever, é entediante e coisa de pessoa narcísica"

[ ]

Teresa olhou-me e libertou uma lágrima magnificamente opulenta.
Seguiram-se mais algumas lágrimas triviais que fizeram daquele um momento de pranto. Após esses segundos, limpou o rosto com o lenço de papel que entretanto lhe entregara, esticando o braço numa suspensão silenciosa. O tempo estava contado, acabara a hora do nosso café semanal. Preparámo-nos em ritual sincronizado… arrastar a cadeira, puxar do casaco que se vestiu, abrir o porta moedas e retirar a quantia exacta para cada café. À saída, ambas abrimos os guarda-chuva.
Teresa olhou-me e libertou esta sentença “Acabou, fiz de mim um fantoche neste sonho de fertilidade.”.



Hands of the Puppeteer, Tina Modotti

[ abalos, renúncia e construção ]

Sonhos

Quando a noite se apresentar
cercamo-nos

não indagaremos que mais valia
assinalar ao final da data.
“À nossa beira iremos
doer menos”
afirmação interrogativa
assento-a; o meu corpo inclinado
na tua direcção.

O disfarce não será remédio
para o desgosto; às realidades arrasadas,
uma tarefa
escoar com a gravidade e


espairecer a construir;

por exemplo,
casas nas árvores.


Ou, apenas românticos, plantar essas árvores.

[ playing marbles ]

És delico-doce nos teus actos. Os teus actos ficam menores em acção.
Não há fôlego que baste para qualquer acto-impacto.

É tempo de reclusão para uma das personagens.
O narrador não sabe do paradeiro de outros actores, isto se o texto se transforma de facto em actos que, por sua vez, formarão a peça a encenar. Com ou sem diálogo.


O narrador despertou e espreguiçou, pela seguinte ordem, os braços, as pernas, a coluna vertebral. Sentou-se na beira da cama e sorveu 3 goles de água, começou a fazer os exercícios vocais. Brrrr. Brrrrrr. Brr. M m m aaaaaa. Mmaaa. Nhãe. Nhãouuu.
Olhou o telefone, mas num instante decidiu que seria rude ligar ao escritor àquela hora de um Domingo. Seguiu para a cozinha e preparou o chá de perpétuas roxas. Olhou à sua volta e sentiu orgulho na sua cozinha, havia de tudo para se servir, e estava em perfeitas condições para a logística necessária ora para preparar um jantar para 8 pessoas, ora para fazer um bolo para visitas inesperadas. O narrador tinha especial desgosto pela existência de visitas inesperadas e enorme frustração por nunca ter tido forma de se insurgir a elas. Por vezes, o narrador ensaiava confrontações possíveis a este tipo de visitas, mas jamais as conseguiu aplicar, era, inclusive, convicto de ser vítima de mais inesperados do que a maior parte das pessoas. Deixou o chá a arrefecer e abriu as janelas.

Ligou o leitor de cd’s julgando ter no compartimento a selecção que lhe oferecera a irmã,
assim que ouviu os primeiros acordes lembrou-se de tudo. Dois dias antes, recebera uma encomenda do argumentista com este cd e um bilhete “Ainda não encontrei forma de dizer ao escritor, mas está decidido que quero esta canção na peça – a cena em que Andreia se senta no chão com os berlindes na mão (quero que esteja vestida em 3 tons diferentes de verde, que haja um tapete carmim e uma telefonia), à medida que a canção passa (são 2’22 min.), Andreia joga os berlindes pela sala, no final, engole o abafador. Estou convicto de que o escritor tentará boicotar a canção, porque, como poderás constatar, de certa forma, vai contra a força e honestidade da sua escrita sobre este mundo. Não é podre, é delico-doce e, diria mesmo, perigosa pela falácia que transmite. Assim, deixo-te a questão: sentirás que a tua voz se sobreporá (narrando cada berlinde) a esta toada azulada, sem descaracterizar a obra do autor?

O narrador sorriu. Colou os vários episódios que haviam acontecido desde Sexta-feira: a visita inesperada da irmã, a recepção da encomenda, a reorganização de alguns cantos da sua cozinha e o sonho desta noite. Parecia ter encontrado a solução para combinar a letargia de Andreia com o impacto de cada berlinde e o momento em que engole o abafador (algures entre a penúltima e a última estrofe da canção). Hoping like the blind era o mote perfeito para anteceder a morte de Andreia. Ligou a ambos, escritor e argumentista.

À mesa, deram os últimos retoques às cenas inacabadas, brindaram-se em congratulações. A satisfação era visível. Visitas desejadas, uma refeição preparada com esmero e o prazer de transformar o mundo em actos. Um Domingo contente.



música: Way to blue, Nick Drake

Agora a noite vai parda
É o dia (gosto tanto desta palavra)
( d i a )

é o dia a dizer novamente
tudo.

Pardo ou vivo, mais um
d i a
os sonhos, pelo menos
mais um pouco.






foto de Carlos Veríssimo

[ em vida ]

A noite não fora o suficiente para repousar a cabeça que sentiu aguar em insuficiência durante todo o dia anterior. Os movimentos foram os que vulgar e automaticamente se consegue imaginar ao saber que “a noite não fora o suficiente para repousar”. A cabeça não parecia explodir, nem implodir. Também não faz sentido dizer cabeça, talvez cachola. Nessa manhã era quase certo que a cachola iria perecer. Esse seria então, o dia ao longo do qual iria perecer a cachola. Percebeu que essa morte não seria necessariamente o falecimento do corpo todo, poderia ser apenas a “morte cerebral” com o resto vivo.


Sendo mesmo certa essa morte cerebral, a parte sobrevivente e saudável de corpo no futuro ver-se-ia privada de comandos, assim, também condenada.
Aproveitou o dia para correr.

photo




I see a darkness, Bonnie Prince Billy

[ amargura ] Variações pós "Ensaios sobre a traição *" #2

a teoria da mãe

- Ouve a mãe... nunca falta um judas mas não te faças de Roma que te traz amargura.



* título surripiado ao Henrique

[ gostinho doce ] Variações pós "Ensaios sobre a traição *" #1

a teoria do pai

- Ouve cá... é certo que não é antídoto para a traição, digamos que é como o dinheiro: não traz (A) felicidade, mas ajuda!



* título surripiado ao Henrique

[ ingenuidade ] Ensaios sobre a traição #2 *

Acreditou que a vingança fosse antídoto para a traição.



* título surripiado ao Henrique

[ sede ] Ensaios sobre a traição #1 *

Experimentou a traição. Aprendeu a vingança.


* título surripiado ao Henrique

[ viagem pela harmonia ]

Lembras-te, no outro dia?
Fizeste-me correr à casa de banho, “Rápido! A ver se ainda consegues ver o brilho dos olhos a inundar a pele do rosto!”. Fiz movimento para me deslocar, mas encurtei as pernas, e com elas cada passada, pois percebi que falavas de um brilho efémero. Boicotei a tua alucinação.


(convicta de que é baça, esta personagem magoou a outra consciente e deliberadamente; o seu mote é um rigor que vacila quando vê luzes)

Antes de chegar à porta da casa de banho, dirigi-nos para a rua. Caminhámos sem destino decidido. Ao passar à estação não foi necessário verbalizar opções, levámo-nos em sincronia à bilheteira e comprámos 2 passagens de ida até à localidade com mar mais próxima. Que sorte!, dissemos [faltavam 3 minutos para a partida (cada bilhete a 1,73 €)].
Regressámos. Anoitecera e olhámos os nossos reflexos no vidro da carruagem.

(ambas personagens confirmaram a cumplicidade dos indivíduos nos reflexos; assim sendo, nenhuma personagem foi magoada e houve compreensão da efemeridade do esplendor)

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[ promessa doutro outono ]

Voluntária a alagar a lista de verbos da antologia, é outro Outono que acompanho comigo. Escolto algumas quedas secas e fecho a vista à laia de confiança ao aproximar-se o final de dia. Deixo o resto livre e apalavro a noite.


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[ leito aberto (descoberto) (e a resguarda) ]


Neste repente
uma força ligeiramente



não conto a somar
os meus dedos, porém,
sei são já de menos

e

embora na carne deste peito
haja pouco tempo
________________de pousios sarados
são de menos
os meus dedos
a contar gratidões

como a que geme esta cumplicidade
agora.

[ o narrador ermo na casa do cipreste ]




Escorreita.
















Escorreita, uma palavra para uma frase. Começaria o texto com que explicaria as coisas que estavam por explicar com essa palavra. Fechou a porta e começou.








( . . . )

[ o narrador com fé ]

Enfim escreves uma coisa. Terás visto tantas antes do acto, não imediatamente antes, entenda-se, mas ficas depois de outras. As tuas ideias estão com a memória, não com a memória imediata, entendes. As palavras surgem assim assim. Percebes, então.
Tudo ou nada e repetes "tudo ou nada." à medida que voltas a vestir o casaco para ir exteriorizar o teu corpo.

Esta personagem a quem se dirige o narrador, lá vai expor o físico. Não leva material convencional para rascunhos, também não vai com nudez.

Voltará com palavras que não enjeita.
Esta é a esperança do narrador.

I'm sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com












































Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.


Alberto Carneiro