ricochete
quem vê caras...
Dhôtel nuancé d'abricot e La Bouche en croissant, Jean Dubuffet
memmoriam
La persistencia de la memoria*, Salvador Dalí
home
I miss dreaming about pianos.
I miss home. Somewhere. Home.
metrónomo [ou as horas (ou tu)]
Nada garante que tu existas
Não acredito que tu existas
.
Só necessito que tu existas.
.
David Mourão-Ferreira
* escultura de Francisco Simões
Levi Strauss is the reason why...
I acknowledge myself as a Levi Strauss adict
stillness please said the individual
sem título, Dennis Rideau
gostarzinho
persona non grata
é tempo de ter 1m70 (já, ontem)
Sometimes the Dress is Worth More Money Than the Money
(still fromvideo installation)
Tracey Emin ©
Domingo
As coisas simplificam-se para o poeta quando começam a ser absurdas para os outros * (ou literalmente, uma cicatriz no umbigo)
Longe dos Bárbaros um Cacto no Pólo
.
Julguei que se tinha levantado um obelisco místico no meio da praça; e que o obelisco dava uma sombra azul; e que tinham acendido um fogão no quarto húmido; e que tinham dado alta ao doente.
.
Julguei que nascia o sol à meia-noite; e que uma boca muda me falava; e que esfolhavam lírios sobre o meu peito; e que havia uma novena ao pé do Jardim de Aclimação.
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Uma boca muda me falou; mas o obelisco, de ténue que era, não deu sombra; e o fogão não aqueceu o quarto húmido; e o doente teve uma recaída.
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E o clown entrou, folião, na Igreja; e fez jogos malabares com os cibórios e os turíbulos; e tornou a nevar; e, após os brandos etésios, soprou o mistral forte.
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E na alcova branca entrou a Dama expulsa, cujo corpo é de âmbar e cera e todo rescendente de um matrimónio aromal de mirra e valeriana, a Dama dos flexuosos e vertiginosos dedos rosados.
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E seus cabelos de czarina eram claros como a estopa e finos como as teias de aranha; e seu ventre alvo, de estéril, era todo azul, todo azul de tatuagens.
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E a Educanda fugiu do recolhimento; e com a Dama expulsa passei a noite em branco; e a noite foi toda de escarlate.
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E no dia seguinte, em vez de sacros livros, que de ordinário me deleitam, li Schopenhauer, e achei Artur Schopenhauer setecentas vezes superior a todos os Doutores da Igreja.
(horas)
Eugénio de Castro
* sobre As Anamorfoses in O Surrealismo na Poesia Portuguesa (org. Natália Correia)
as gajas
after all, it seems there is nothing she wouldn't do
Throw away your suitcase
Come back to bed
There is nothing I wouldn't do
For a girl in distress
I've loaded my weapon
I'm wearing my best
There is nothing I couldn't stoop to
For a Girl in distress
Nothing I wouldn't stoop to
We are out in the hills now
looking over the sea
There is nothing she wouldn't do
To a man on his knees
encontrei! encontrei!
. . .
já não arrancam
pétalas às flores, as
meninas grandes devem
ser capazes de abrir
a boca sem deixar nenhum
dente cair
I'll always be a little girl
© Tjarda Sixma 2003,
Lambda Ilfochrome slide in Ocoume light box, H 37 x W 50 x 14 cm
Cheirando o pó do lugar
O Viajante , Ney Matogrosso
um dia, gostaria de sentir o privilégio de dizer "não me contem, não quero saber, não gosto de ouvir histórias dessas", um dia, gostaria de sentir que é uma opção, dizer "eu não tenho jeito para essas coisas, é melhor seres tu a ir lá, a fazer, a dizer", um dia, talvez; e não me venham com tretas que é porque se tem jeito! pfffff, jeito! ter jeito! idiotice! ninguém tem jeito para ver os seus ente queridos a sofrer! ninguém! ninguém tem jeito para ver olhos a diminuir da dor! ninguém tem jeito para ouvir uma fala que procura esperança vã, ninguém! ora ca'porra! foda-se!
Eu gosto muito de cachorro vagabundo/ Que anda sozinho no mundo/ Sem coleira e sem patrão/ Gosto de cachorro de sarjeta/ Que quando escuta a corneta/ Sai atrás do batalhão/ E por falar em cachorro/ Sei que existe lá no morro/ Um exemplar/ Que muito embora não sambe/ Os pés dos malandros lambe/ Quando eles vão sambar/ E quando o samba está findo/ Vira-lata esta latindo a soluçar/ Saudoso da batucada/ Fica até de madrugada/ Cheirando o pó do lugar/ E até mesmo entre os caninos/ Diferentes os destinos/ Costumam ser/ Uns têm jantar e almoço/ E outros nem sequer um osso/ De lambuja pra roer/ E quando passa a carrocinha/ A gente logo adivinha a conclusão/ O vira-lata, coitado/ Que não foi matriculado/ Desta vez "virou"... sabão
mais um assalto
Que a palavra te redima do erro. Que a palavra seja o erro.
Deslizas sobre a terra. Deslizas sobre as águas.
Tudo é veloz e extremo. Pó em torno da tua dor. Pó em torno do teu choro.
O que te atinge em pleno voo. A cegueira que te atinge em pleno voo.
Ergues-te para a mais secreta alegria de abandonares o teu corpo.
Que a palavra te redima do erro. Que a palavra seja o erro.
A tua história, onde escreveste o indefinível do teu nome. Eras criança.
Estendias as tuas asas. E as tuas asas
faziam a imensa sombra sob a qual se abrigava
o que era reconhecível e amável.
Deslizas sobre a terra. Deslizas sobre as águas.
Tens o talento antigo de estenderes as tuas asas. Agora quebradas,
para sempre quebradas. Já sem a amplitude do início,
é no ocaso que escondes a tua vergonha.
Por tua vontade, desejo e mágoa
exumas a palavra do passado, a inocência que o não era.
Que a palavra te redima do erro. Que a palavra seja o erro.
Luís Quintais
no princípio
os inventores.» *
Cindy Sherman, Untitled No. 153, 1985. Metro Pictures, New York
inner zone
Ney Matogrosso e sua mãe
em voo
Berlin
Berlin
Came to your border
Looking back into the night
Falling down on the city lights far away
Tell me the answer
Who knows the wrong from the right?
Years may come and years they go
You’ve seen your bridges burning
And the wheels of time keep turning
Like a ship in the night
You passed along the highways of my life
And now my mind you’re always in
And the ten-thirty flight will soon be headed my way
As she sails across the skyway of Berlin
Oh, and to think of all the changes you have seen
Oh, and reflect upon the way it might have been
Like a ship in the night
You passed along the highways of my life
And now my mind you’re always in
And the ten-thirty flight will soon be headed my way
As she sails across the skyway of Berlin
Barclay James Harvest
shiuuuuuuuuuu
thy way
The Last Thing I Said to You was Don't Leave Me Here II, Tracey Emin ©
digo-te, Charlie Brown, se eu praticasse desporto
não me bastava a natação
Andrea Staccioli ©
numa casa portuguesa, concerteza
É verão no fim da tarde, ao canto das cigarras
o chão é um vulcão adormecido
delira um vaga-lume: há luz em Marte
e o jantar ainda não foi servido
Condensam gotas de água sobre o copo
o pó afaga o brilho da mobília
e pousa no retrato de família
Protestam as fissuras do sobrado
no rodapé descalço das andanças...
chegou o convidado!
chegou o convidado!
Servida foi outra taça de vinho
à mesa só ficou uma migalha
no linho da toalha
Resvala já o sol no horizonte.
vencida sai a noite pela janela,
duelo à luz da vela
Já dormem as faianças na cozinha.
apaga-se a mortalha no cinzeiro
que bem que sabe o licor da madrinha
O eco mede o espaço entre as lembranças
e o tempo salta à corda do relógio
do quarto das crianças
no quarto das crianças
José Moz Carrapa (letra) João Afonso Lima (música/ interpretação)
Paris, Texas
não procurava, nada; faz parte duma série de DVD's que me emprestaram os meus amigos mecenas, olhei o conjunto e retirei Paris, Texas; apeteceia-me Wim Wenders, eu não sei definir poesia, mas sei que ao realizar filmes ele se faz poeta; de cada vez que tenho a possibilidade de gozar de obras tais que esta sinto-me afortunada.
watermelon brain
Cats and Watermelons, Gabriel Orozco
samba e amor
E tenho muito sono de manhã
Escuto a correria da cidade, que arde
E apressa o dia de amanhã
De madrugada a gente ainda se ama
E a fábrica começa a buzinar
O trânsito contorna a nossa cama, reclama
Do nosso eterno espreguiçar
No colo da bem-vinda companheira
No corpo do bendito violão
Eu faço samba e amor a noite inteira
Não tenho a quem prestar satisfação
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito mais o que fazer
Escuto a correria da cidade, que alarde
Será que é tão difícil amanhecer?
Não sei se preguiçoso ou se covarde
Debaixo do meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã
Chico Buarque
merry whatever
uma triagem das recordações
escolher a memória de caloríferos
o caixote dos natais passados
retirar fitas e bolas
6 ou 7 conjuntos de luzes inactivas
pensar: deve haver solução para estas luzes,
que negligente
voltar a arrumar tudo. sem arranjo.
cantando, desencantando, espantando
vista daqui uma vida (as personagens fictícias reservam-se o direito à privacidade)
bom dia!
mais um assalto
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer
Em todos os lados
Escreveu o seu nome
(talvez fosse Nusch o nome da mulher).
Depois, era um poeta militante,
Chamou-lhe Liberdade.
Eram anos cruéis.
Hoje podemos escrever
O nome da pessoa amada.
Eu escrevi na neve de Lausanne
Numa praia de Creta
E agora no carso
Sempre
O mesmo nome.
O nome de Nusch,
A quem o nome foi negado
No tempo em que os poetas militantes
Não podiam escrever
Em toda a parte
O nome da pessoa amada. »
metrónomo [ou as horas (ou quem sabe de tudo não fale)]
Enquanto esqueço um pouco a dor no peito
Não diga nada sobre meus defeitos
E não me lembro mais quem me deixou assim
Hoje eu quero apenas
Uma pausa de mil compassos
Para ver as meninas
E nada mais nos braços
Só este amor assim descontraído
Quem sabe de tudo não fale
Quem não sabe nada se cale
Se for preciso eu repito
Porque hoje eu vou fazer
Ao meu jeito eu vou fazer
Para ver as meninas, Marisa Monte
Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.
Alberto Carneiro