la caisse du mouton
Antoine de Saint-Exupéry

[ presentes envenenados ]



Hoje trouxeram-me um pouco das minhas crianças, estão todas longe. A minha vida é feita de distâncias.
Longe é sempre demasiado longe.
Não sei como explicar as emoções que me provoca cada uma das minhas crianças, seria até ridículo tentar. Muito para além das alegrias, dos medos, das preocupações, é esta coisa da biografia… a história individual de cada uma que me traz sempre em espanto.
Reconcilio-me com o mundo por momentos. Se digo que me reconcilio, não é porque ande danada com o mundo, mas porque tantas vezes me encontro abespinhada connosco.
Hoje inundou-me um belo estado de graça, foi resultado do pedaço das minhas crianças que me trouxeram.
Por momentos, envenenaram-me o presente, ao regressar a casa, na caixa do correio encontrei panfletos horrendos em campanha pelo “não” no referendo, 3 panfletos com dados mentirosos, sem o menor escrúpulo, de um desrespeito inqualificável. (não me prestarei o desprezo de descrever o conteúdo dos panfletos que nem referem a identificação da origem) Senti-me tão zangada. Passou-me pela cabeça aquele sentimento confuso de impotência: não poderei proteger as minhas crianças disto. Quis reuni-las todas no meu regaço. Quis correr. Quantos de nós não tiveram já daquelas urgências de correr e nos fecharmos numa casa só com os nossos? Sou convicta de que já aconteceu a toda a gente, confesso que a mim acontece frequentemente.
Acalmei. Lembrei-me que isto é assim mesmo e que, enfim, perco-me numa certa ingenuidade quando me esqueço de que a protecção não é negar a realidade às nossas crianças, mas oferecer-lhes o que vamos sabendo sobre como aqui estar. Acalmei.
Regressei à minha lavra que é esta embriaguez acordada e a barriga dessincronizada a manter-me os pés de pé. É o frio das mãos frias arrasado pelo calor real destas ideias. Os nossos. São estas coisas a ferir os medos.
Revolvido de novo cada susto, nenhum se melindrou. Deve ser esta a notícia a espalhar.





E sim, sim à vida que a canção exalta e reconhece. Espalhem a notícia.
Sérgio Godinho
via Daniel Oliveira "Como podem tornar bandeira política uma coisa tão imensa, tão pessoal, tão intima? Como?" no blog Sim no refrendo



photo de Sandra Ferrás


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Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.


Alberto Carneiro