la caisse du mouton
Antoine de Saint-Exupéry

[ Post-Scriptum ]

tão jeitosinha que ela era. tão boa rapariga. nunca deu dores de cabeça aos pais. chegou sempre a horas a casa. era para aí a 2ª ou 3ª melhor aluna da turma. acabou nos anos devidos um curso de status. empregou-se e comprou logo uma casinha (apartamento) muito jeitosinha (assim como ela). era assídua e pontual. tinha duas contas no banco – numa depositava o cheque do ordenado e orientava-se para, na outra conta, depositar um montante certo todos os meses, esse montante seria o seu pé-de-meia. era mesmo uma rapariga muito atiladinha. os vizinhos dos pais perguntavam-lhes sempre pela Gracinha. "então… ? como está a nossa Gracinha?" o tempo foi passando e a Gracinha conheceu um moço. nem por isso mal-jeitoso. mas nada jeitosinho da vida dele. assim para o desorientadito. a Gracinha achou-lhe graça, o que se há-de fazer? as coisas do coração são assim mesmo. não se manda nos sentimentos. lamentou a possibilidade de dar um desgosto aos pais quando oficializou que o seu coração pertencia ao moço. espantou-se da ausência de espanto dos pais. o namoro era a modos que um namoro. o moço parecia ter boas intenções a até lhe dizia que o seu coração era dela. não falava em casamento. Gracinha, por vezes, à noite, na sua cama de lençóis devidamente engomados, arriscava-se lamentar o atraso no pedido de sua mão. mas tanto que gostava do rapaz nem por isso mal-jeitoso, mas nada jeitosinho da vida dele, assim para o desorientadito, tanto, que não arriscava o tema - casamento. mais vale um pássaro na mão do que nenhum a voar. deixou-se andar e manteve-se assídua e pontual no trabalho. as contas bancárias sempre orientadinhas. lamentavelmente, um mal-fadado dia, o moço, o tal rapaz nem por isso mal-jeitoso, mas nada jeitosinho da vida dele, assim para o desorientadito, disse-lhe que seguia para a Nova Zelândia num projecto musical que não podia deixar escapar da sua existência. orientou-se à sua maneira, o moço. Gracinha, assim, viu-se sozinha, sem passarito na mão. Gracinha pensou nos seus pais, eram sexagenários. sexagenários... avançados! despediu-se. vendeu a sua casinha (apartamento) muito jeitosinha, levantou o dinheiro da conta pé-de-meia e voltou para a Vila onde nasceu. chegara o tempo de tomar conta dos papás. chegou a casa. abriu a porta com a sua chave (ainda possuía uma chave de casa dos seus pais, nunca a entregara de volta). encontrou um bilhete que dizia “Gracinha, se vieres cá a casa, deverás reparar que não estamos, fomos numa excursão. voltamos por altura do Natal”. decorria o mês de Julho! o bilhete continha uma nota à laia de Post-Scriptum “não, não é uma excursão para a terceira idade. evidentemente. beijinhos.”. Gracinha meteu-se no carro, decidiu rumar a Marrocos. ao parar nos semáforos, gemeu. um AVC. morreu instantaneamente. não sofreu.




ouro de tolo, Caetano Veloso


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Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.


Alberto Carneiro