la caisse du mouton
Antoine de Saint-Exupéry

[ acknowledging home ] [ inner relief ]


Tu vais por uma vinha afora, que é vinha grada por todos ao lados, pela tua frente, pelo teu detrás, pelos lados, até perder de vista. Não entendes aquelas parras largas a secar cobertas de poalha azul do sulfato, nada as rilhou e as uvas ainda pequenas e inteiriças mas secas, cachos mindinhos como que de amoras verdes gigantonas mas palha, os galhos que é uma força, o lenho escuro deles a mal distinguir-se da negrura das folhas ressequidas, dos bagos secos como semente de cânhamo. Por cima daquela terra sem água, bocarras pretas a abrir-se onde o zebrado das fendas é mais profundo, regos finos como os de palma da mão a abrir trilhos de abismo a abismo. E em cada pedaço inteiriço da terra barrosa, vermelha, morrões secos a rilharem debaixo dos teus pés descalços carmesins do pó dela, alevanta-se airoso e carregado de pó um novo pé de videira.

In Casas Pardas de Maria Velho da Costa



Na generosidade, recebo as primeiras linhas da leitura antes das vindimas. As vindimas ainda estão longe mas a experiência de ter vivido anos sabe que elas se avizinham. O Verão não é um engano, pode ser fantasia, nem é viver os dias que gostaríamos de viver no ano. O ano equilibra-se e assim traz diferentes cheiros na terra, a ver se percebemos que também o pó é um elemento. Nestas vidas. Quantas vezes dissemos curriculum vitae? Tantas quantas as que olhámos o espelho e nem por isso reparáramos no tamanho dos olhos? Contudo, se dissemos desse modo curriculum, não há sentido no embaraço com o alheamento. É sempre tempo de aprender a amplitude do campo visual.

Os meus olhos continuam a querer fechar e eu sei. Os meus olhos estão cansados de cansar. Então, pestanejo muito muito. Os meus olhos, pensei, estão gastos. A restauração, eu não sabia, restaura. Não dissocio, eu sei, os movimentos dos olhos dos movimentos das mãos. Os olhos não cansaram a chorar a ingenuidade. O alarme foi a inocência ameaçada de aniquilação. Então, as mãos trabalharam a pureza, e não é um artefacto. As minhas mãos. Eu sei, mas nunca vi.

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messenger, Blonde Redhead

Stay still do be still/ No wonder you are always lost/ If a messenger you must be known/ Then with messages you must return/ To be seen by demanding hands/ And touches of jealous men/ Invisible and forgivable/ To all their secret hands/ Be it so be quick/ Don’t run just walk and walk and walk/ Don’t loose yourself to decorate/ Somewhere on your wall/ Cause somewhere in your mind/ You know you are doing fine/ Holding secret hair locks/ You’ll pluck before you hide/ So how can I keep anything to myself/ So how can I keep any of these to myself/ So how can I keep anything to myself/ Behind those clouds/ I'm almost home

[ a viagem boa ]

Chegarás. As horas serão sempre as poucas. Anseio por te contar que voltei a mudar de linha. Acendo a luz a meio das noites. Dir-te-ei a forma como treme o carvão na minha mão. Fantasio que me entregarás os lápis de cera. Nada quero rasgar. Porém, posso usar cola. Há cores vivas que aguardam, agora a curto prazo, naquela caixa que encerrei na segunda prateleira da estante técnica. Ainda não te contei que voltei ao solfejo, pois não? A minha dificuldade foi lembrar que não se dança o solfejo de braços abertos. Há dias, apanhei-me a sorrir para o metrónomo. As andanças têm aqui tanto para te contar. Anteontem, escrevi-te uma carta mas dispensei-a. Expressá-la-ei na tua presença não verbal. Quando chegares. Chegarás. Eu sei.

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Meu querido, querido,


Espero que a minha carta te vá encontrar bem no mundo. Por aqui, é quase madrugada, as lágrimas e as flores continuam secas, está tudo bem. Escrevo notícias antes de ir ao encontro da cama vaga. Os assuntos continuam activos. Não esqueci a tua pergunta, mas ainda sinto pudor ao perceber que encontrei a resposta. Não consigo libertar-me da suspeita de que a charada se refira ao manifesto que concentras dentro da tua música. Questiono-me, incrédula: que outro caminho pode ter a questão do voo?

Recebi a encomenda que me enviaste à morada certa. Sabes que não aguardo espantos e, talvez por isso mesmo, sou consciente de que ando sempre assarapantada. Sei que para ti é vulgar enviar um envelope de borboletas, mas deixa-me dizer-te que recebê-lo foi um princípio para mim. Ter a sala esvoaçada de borboletas é cenário de palco, e não estou certa de saber o que é excentricidade. O bilhete que me enviaste, enfim, um bilhete em forma de peixe, pareces tu em papel.

Andei em torno das memórias: Juntei os livros e seguro-os debaixo dos pés. Tranquei tudo com um cordel lasso. Pus a girar o disco que comprámos naquela manhã. (aquela manhã)

Amanhã, saio sozinha e deixo-me cá dentro, de guarda. Não esqueci a questão da metamorfose. Por enquanto, praticarei o polimorfismo.
Assim, será safa mais uma aurora.


Até ao nosso próximo abraço,



eu



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zuvi zeva novi, Mler Ife Dada
obrigada à lebre pela imagem e pelo mote ;)

[ os meus dedos e o silêncio deles ] [ que se recolha insignificante a minha cabeça ] [ e suas sentenças ]

«(...) a propósito do actual conflito armado, o escritor israelita David Grossman: "Nenhum dos lados pode derrotar o outro, mas nenhum pode ceder."
Condoleezza Rice, Kofi Annan e Durão Barroso devem saber disso... »

Luís Costa, Público

a moça é apresentade de mão à testa. à cabeça, digo. segura as ideias, provavelmente. provavelmente, tenta agarrar-se. (pronto, este foi o momento ingénuo do dia) os títulos repetem-se, perderam a criatividade - 3ª guerra mundial? o conteúdo, esse, não me lembro de o ler tão sem soluções teóricas prontas a aplicar. não direi mais um nome nem um dedo, porque não me apetece ouvir mais um nome nem um dedo. por estes dias, mais vale um tampão na boca. e nos dedos.

asas


Era uma vida

Enquanto estavas atrás

Senti. O desafio

Olhar a fronte

E as tuas mãos disseram

Que me desfiavas

No _______

Engoli as vísceras

Enquanto proferíamos

A morte

Era. O _______

Rasgámo-nos vivos.






photo: obrigada pelo link, Lebre ;)

[ marchem ai's ] [ a miscelânea dos eu ] [ e muitos números que saem das nossas mãos para as bocas ]

parece que, aqui na rede, escrevemos mais vezes guerra do que paz, e, traduzindo, escrevemos ainda mais vezes war do que peace *. não faz mal, nem é um símbolo. pois não? na rede.
em todos os lados, de todos os lados, andamos à chuva, usamos facas atrás das costas, medimos as pilinhas e comparamos os tamanhos. refugiamo-nos. e dizemos que vemos a
imagem. e cantamos uma canção em simultâneo, às vezes, esquecemos as palavras e não faz mal. se os acordes combinam. não faz mal se esquecemos as palavras ditas. são vagas. assim como a paz que guardamos dentro de dentro da ideia das casas. não faz mal, por causa do lugar comum: no final, cada um morre sozinho; no final, há só 1 número que desaparece. entretanto, a cada segundo, talvez não fosse pior que, das nossas gargantas, apenas grunhidos se ouvisse, puros. marchem as nossas mãos. falemos menos.

* resultados no google: 88.500.000 para guerra; 76.100.000 para paz; 1.530.000.000 para war; 644.000.000 para peace

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raining in darling, Bonnie Prince Billy

[ lápis azul ]

Aqui pratica-se

censura.

A correspondência

foi para a dispensa.

Isto

não é um poema.

(evidentemente, diz o lápis azul)

É só.

Uma nota.

Editorial.

Grata

por vossa atenção.




zuvi zeva novi, Mler Ife Dada

[ we don't have to pray ]

# desabafo desabafos.
# tenho lido pouco nos últimos dias que me faça sentir ajudada num hipotético desejo de formar opinião. com pés e cabeça. e lá voltamos à nomeação das coisas, e uns dos outros, que é de palavras que se gosta. fico desolada, com a sensação de que se fala só no gosto de ouvir a própria voz.
# lugares comuns: tenho medo todos os dias; todos os dias rio; já conheci o que de ódio pode nascer em mim, por mais que a inocente que também sou o quisesse negar. acredito numa certa responsabilidade em não deixar essa semente. usei a expressão espiritual e não digo mal - se mostrar uma atitude pacifista é ser ingénuo, então quero ser ingénuo .
# é desolação ver os comandos nas mãos à espera do universo, imagens quadradas prontas a comover.
# também os meus olhos se ressentem quando nos vejo ao redol de mortos à causa da pior invenção da humanidade - a religião.




# há pouco, fez-se um momento curiosamente poderoso de música no meu pc, tinha o gira-discos a trabalhar e fui ao insónia, quando dei conta estava a Meira Asher (não conhecia) a cantar em simultâneo com a Ursula Rucker :)

[ s u s p i r o s ] [ e tal ] [ e coisa ]

THE LETTING GO

Bonnie Prince Billy

[ don't need any room to breathe ] [ sleeping on the couch ] [ somehow everything falls into place ]


A casa não era nossa e foi nossa que se fez. Lembramo-nos. Longe de tudo o que era sítio nosso. Encontraste-me na rua. E eu encontrei-te. Nessa rua. Perguntaste-me o que andava a fazer e apontei o meu ventre. Ficaste branco como cal, disseste “mas… está liso!... de quanto tempo?” e eu expliquei: Ando a gerar sossego. Vi de imediato o teu sorriso. E uma ideia “seria bonito, essa barriga a gerar gente da nossa” e eu voltei a explicar-te. E tu voltaste a mostrar como sorris. Caminhámos pelas ruas. Perto dessa rua. Decidimos do nosso cansaço e entrámos na casa que não era a nossa casa e que se fez. Perguntaste-me porque e eu expliquei: Prenhe. Confirmaste: reconhecia-se a ausência de padecimento na polidez do bucho. Perguntaste-me “posso?”, dirigindo a mão para tocar. E eu expliquei. Que sim.
Acordei sem dores.




feeling no pain, Josh Rouse


foto: dolphin.s obrigada :)

[ te ajoelho, corpo místico. não me acordes ] [ don't ask for proof ~ love is not a victory march ] [ if you care for music ] [ holy doubts ]


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

o beijo, Gustav Klimt
Natália Correia



hallelujah by Jeff Buckley


[ did you ever have one of these days ]












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blue blue marble girl, Howe Gelb

decisão

decidiu sobre a sua vida que morreria. no jeito tradicional, olhou os muitos objectos à sua volta. poucos na variedade - livros, uma telefonia, batons e lenços (e um chapéu dentro do guarda-fatos. para o. g l a m o u r.). disse adeus sem eco. não se encheu de tristeza. foi de graça que se envolveu. não queimou os livros. não pintou as paredes de beijos vermelhos e corpo despido. não rasgou os lenços. em vendo tal cenário que classificou sem qualidade teatral, pensou - dirão, com liberdade, que enlouqueci. não quis correr. não deixou a porta escancarada. nem teve vontade de se zangar. sentou-se no frio com um certo cuidado que estranhou. aguçou a lâmina. decidiu sobre a ausência de vontade e a certeza de não ser. senão ilusão. disse - yo ya me voy e suspirou tranquilidade .

Maria Rosa, a velha, disse - morte santa.





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yo ya me voy, Lila Downs

requiem a ser ouvido ali

[ oversleeping and no praying on sunday evenings ] [ and other days ]

Rasgos de mundo entre vigilâncias. Repetimos as dormências. Pronuncio orações frouxas. É domingo. À noite. Não é sapiência saber sem anúncio que regressaria o fogo. Continuamos a observar. Derretidos. No chão há formas líquidas. Insisto, pronuncio orações frouxas. Ambiciono coisas bonitas. Observar aves. Pego nas vozes. Indubitavelmente, são bebés, sons que não se traduzem em palavras. E, assim, continuo um ser espantado. Procuro não perder da minha vista a oração do sono. Confesso às paredes a magia: acredito em deus, porque o seu nome é Música. Harmónico é uma palavra bonita, talvez resida aí a redenção. Só a magia poderá amparar a expiação diária.




oversleeping, I'm from Barcelona

[ bom-dia ]

- bom-dia.

- bom-dia.

- diz uma lenga-lenga. diz-ma. diz-me a lenga-lenga.

- eu digo. eu digo uma lenga-lenga. eu digo-te uma lenga-lenga. a lenga-lenga que diz bom-dia e que é contente. uma lenga-lenga que gosta da palavra contente. con - ten - te. len - ga - len - ga. bom - di -a.

- sim. isso. diz essa lenga-lenga. diz-ma.

- bom-dia. bom-dia! esta é a lenga-lenga da palavra con - ten -te. a lenga-lenga da palavra con - ten - te gostaria de ter as palavras cor, bar – co, cro – co – di –lo, lam – pa - ri – na, pa – ra - le – le - pí – pe – do, o – tor – ri – no – la – rin – go – lo - gis – ta, dan – çar – i –nos e con – ten – te, mas não sabia como juntá-las todas na mesma cesta e ficou só com as palavras con - ten -te e bom - di -a. não faz mal, a - len - ga - len - ga - e - ra - con – ten - te - na - mes - ma - por - que - ti - nha - a - sas. sa - bias - que - as - a - sas - su - pe - ram - to - das - as - pa - te - ti - ces - e - dei - xam - zon - zos - os - si - su - dos?

[ a nudez, o asilo e a alegria ]

Não é um braço queimado que ordena à reclusão. Não são os olhos turvos que ensinam a lição de contemplar. Não é o aço com que se aprisiona as janelas que resguarda. Estudar as histórias dos antepassados é bonito, mas a possibilidade de saber através delas é remota. O ser civiliza-se... Faz votos. Corta o cabelo. Cobre o corpo com mantos largos. Tapa o sorriso com uma mão enquanto a outra se certifica de que o decote está encerrado. O ser pode civilizar-se e acreditar na sua mansidão por 1 segundo. Lamento, se o ser receia aproximar-se dos caloríferos. Às vezes, parece-me que o ser não desconfia que só os braços queimam, nunca as mãos. Essas, as mãos, despem os dias seguintes ao medo.
Lamento, se receio aproximar-me dos caloríferos.
she said: it takes one to know one. he said: isn't it? isn't it just?




it tango, Laurie Anderson

a música é dedicada:

dolphin.s ~ lebre ~ menina-alice

desenha-me. num sorriso.

let's go outdoors and fly through fresh water. i'll go barefoot. bring your poppyseed eyes and use your trigger while i jump. something will be shining. let's go outdoors and play. believe or make-believe.

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you make me fly :)

[ still no alarms & no surprises ]

talvez fosse um filho. na voz mais mãe que pude saber, proferi – estou aqui, foi só um sonho. ouvi um sorriso que dormia. era eu e o seu sono. acordara, como sempre, nas minhas horas prontas. espreitei, estava tudo bem pela mudez parda da aurora.

[ energia: ficar no pleno Verão sem palavras ]


Gregory Crewdson
edit deste post às 20:19 PM
sobre o Verão. eu reclamava, há pouco, que está pleno e é de silêncios. que as palavras não só derretem (lugar comum dos Verões que conheci) e que o ar não é apenas bafo ainda por queimar. a energia revolta-se e estagna. reconheci, essa é característica típica da ânsia jovem de quem reclama por esperar amanhã.
dei por mim a ler outra variante do Verão: regressos - fuga - a cor dos pássaros - quando na hora é verão. (variante madura como a polpa dos frutos do pleno Verão)
não é coincidência, vivemos na mesma cidade onde o calor nos leva hoje se nos afligirmos.

bom-dia, formiguinhas! [ cigarras da admirável blogosfera ] [ acknowledgements, recadinhos, giggles&giggles ]


sai um post novo, saxavôre, 'nina-alice
ontem é que era! n'era? :P
she... she... :)
receio que comeces a achar que só existe o Jarmush :/
hey! a mancha estava linkada há montes de tempo (montes!), só agora reparei no template que o link estava mal indicado :(
;)
8)
podias voltar e tal, também
:)




(: no alarms & no surprises no alarms & no surprises no alarms & no surprises :)

[ six feet under ]















no surprises, Radiohead








e agora, o que faço?

ainda por cima, acabou para dar lugar àquela idiotice dos sopranos!


vulgarmente. o seu vestido preferido. enquanto hidrata a pele que seca vertiginosamente. a mesma velocidade a que os cabelos despigmentam, olha o espelho. lá, de frente, na sua frente, donde lhe dizem que aquele reflexo é ela. tenta desviar o olhar para o pescoço. sentimento de derrota. desvia o olhar para o lugar do céu. falhaste. usa noções de qualificação. predominância do bem e do erro. predominância de soluços de querer não ser lá, à sua frente, o espelho. reflexo é algo tão vulgar quanto o meu vestido preferido, conclui. alucina uma gargalhada lá, à sua frente. sou eu, sussurra sem voz de garras. torce o olhar e a imagem continua lá. interactiva. quando abandonar este espelho quer dizer que me acompanha, sussurra sem voz.

num instante pensa que o reflexo é tão só. diz anormaliade.

mas nos instantes seguintes repara que o reflexo das mãos não é tão só isso.

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ain't you wealthy, ain't you wise?, Bonnie Prince Billy



pensei que podiam ter saudades de ouvir o Bonniezinho e que possam ser tão distraídos que não saibam que está sempre à vossa disposição no rodapé deste blog :P

[ bem-aventurados os que têm memória ]


Procurávamos as festas de lés-a-lés. Vivíamos a alegria entumecida. De um, o outro. Não quiséramos saber o tempo certo. Porque foi no tempo certo que não nos ofendeu o tempo em que o fim poderia ser verdade. Reconhecíamos esse saber, o saber como assim o entendo. Comprávamos os frutos com um respeito que não era o devido mas o respeito sentido. Sabíamos o que a polpa podia fazer por nós. E fez. Era o amor. Foi o amor que nos ficou, como as boas lembranças, as paisagens bonitas são para a memória. É por isso que posso percorrer territórios perguntando indiscriminadamente a transeuntes – viu o meu amor? Exercício simbólico sem penitência. Um dia exibirei souvenirs que coleccionei desta peregrinação. A maior relíquia é a sombra da tua boca na minha.

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still de eternal sunshine of the spotless mind

Oh, que se lixe, passa-me a guitarra que eu canto-te um fado num português impecável

ATENÇÃO post da lebre reproduzido na íntegra
Sempre me dei ares de rapariga muito solta. Mas, para falar verdade, estive a fazer as contas no outro dia, e só tive onze amantes. Sem contar com o que aconteceu antes de eu ter treze anos porque, a bem dizer, essa parte não conta. Onze. Isso faz de mim uma puta? Olha para a Mag Wildwood. Ou a Honey Tucker. Ou a Rose Ellen Ward. Elas já fizeram truca-truca tantas vezes que podiam formar uma banda de percussão. É claro que eu não tenho nada contra as putas. A não ser uma coisa: algumas podem ser verdadeiras mas têm corações falsos. Quer dizer, não se pode foder o tipo e descontar os cheques dele sem pelo menos tentarmos acreditar que o amamos. Eu cá tentei sempre.



Além disso, deitei fora todos os meus horóscopos. Devo ter gasto um dólar em todas as estrelinhas do raio do planetário. É uma chatice mas a verdade é que as coisas boas só nos acontecem se formos bons. Bons? É mais se formos honestos, não uma honestidade de cumprir a lei... -eu cá era capaz de profanar uma campa e de roubar os dois olhos de um morto se achasse que isso me dava gozo por um dia -mas uma honestidade para connosco. Tudo menos ser-se cobarde, fingido, um bandido emocional, uma puta: preferia ter cancro a um coração falso. O que não tem nada de beato, é uma questão muito prática. O cancro pode matar, mas a alternativa de certeza que mata. Oh, que se lixe, passa-me a guitarra que eu canto-te um fado num português impecável.


Truman Capote


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[ vê, a luz após o solstício está aí ] [ essência dos dias disfarçados de infância ] quisera


aniquilação de imagens, pensou. e tu, foste uma fraude genuína, hoje?, interrogou. are you an already-made thing?, interrogou. do you have it quite figured out?, interrogou. could you tell me why I am a go-between?, interrogou. are ficcional words confessional art?, interrogou. I’ll call this a report, afirmou. about ready-made fairy tales, sussurrou. the pink report, baixou o olhar. once upon a time the little girl was too big to be a little girl and to small to be a big girl. so she hung her teddy bear by his neck and stood. she stood there spying with her little eye. she wasn’t wise but she knew it was for the best. the end, said the gal.




guardare dietro una volta piu, Azembla Quartet

obrigada pela música, lebre :)

[ direcção à segunda pessoa da singularidade humana ]

amacias-me a passagem. mascaras o globo. paro de mim. recordo que foste inventado. tenho a ousadia de questionar se é legítimo usufruir de tal narcótico. não fico caladinha. não são as superstições que nos levam. apregoo-te dentro do meu corpo. é física a sensação de segurança ao ler os suicidas enquanto a tua mão passa pelo meu pêlo. amacias-me e a minha mente aceita a pele das tuas mãos sem repugnância. é sem horror que reconheço o impulso de escrever canções macias. é espontaneidade. sorrir muito ao teu sorriso. ser assim praticável viver a certa solidão de ser humana.

[ imagens banais ] [ se te obrigam a fugir mais te obrigam a chegar junto de ti ]


to Mister B. who said...

«I write differently from the way I speak, I speak differently from the way I think, I think differently from the way I should think - and so it goes on into the darkest depths of infinity»
Franz Kafka, Letter to Ottla, July 10, 1914

e também porque sim ;)


o fugitivo, Sérgio Godinho
fica a letra para acompanhar, acho que vale a pena! :P
O Fugitivo

Um homem corre na noite
é uma imagem banal
podia ser em Madrid
ou Johanesburgo, ou em S. Paulo
ou Budapeste, Nova Iorque
ou Hollywood
ou é claro em Portugal
um homem corre na noite
é uma imagem banal

Porque foge? De onde vem?
porque olha para trás inquietado?
será soldado? vagabundo?
criminoso? ratoneiro?
será apenas o primeiro
dos que vão fugir com ele?
foge p'ra salvar a pele
só a sua? a pele dos outros?
a pele clara ou a escura?
quanto tempo vai durar a sua fuga?
quanto dura? o que espera?
o que espera o homem- fera
se chegar a quem o espera?
alguém o quer? alguém se acende
alguém o chora?
alguém por quem ele chorou
chorará por ele agora?
alguém que nunca o trairá
e se sim, onde será?
Um homem luta contra o sangue
que derrama
e diz: valeu a pena?

Que os barcos
voltem a subir o Guadiana
vindos de longe
do mar
Que os barcos
voltem a subir o Guadiana
descarregando à passagem
todo o trigo
que o cavalo esbaforido
chegue à relva, sua cama
que o fugitivo
encontre seu porto de abrigo

Um homem corre na noite
é uma imagem banal
esgueirado de holofotes
com a estrada que atravessa
se confunde
com o breu o seu corpo
se confunde
e se passa num muro branco
fica branco como a cal
tal e qual
o camaleão
é uma imagem banal

Um homem luta contra o sangue
que derrama
em que cama
terá ele o seu repouso?
está ansioso? e como não?
não estaria quem pisasse
um desconhecido chão?
não estaria de garganta afogueada
quem por nada
assim fugisse?
quem por tudo suplicasse
dai-me forças, dá-te forças
a ti próprio te confias
dá-te alento, dá-te tempo
dá-te dias
sobrevive de agonias
respirando sobrevives
sobrevive

Um homem vive
contra o sangue
que derrama
e diz: vale a pena?

Um homem corre na noite
é uma imagem banal
porque insiste? porque teima?

não há pânico na rua
não há fogo no quintal
labaredas? só nas camas
dos amantes
já distantes
chegam ruídos, utopias
quanto vale uma utopia?
vale tudo? quanto vale?
um homem corre na noite
é uma imagem banal

O que fez o fugitivo? porque corre?
se está vivo é porque morre
se morrer é porque o matam
se o matarem ,será justo?
inocentes são os culpados de outros crimes
de que culpa?
de paixão? de inconsciência?

será justo ou não será
desbaratar a inocência
tão a custo conquistada?
porque corre o fugitivo nessa estrada?

E agora para para agora
o homem para
para agora para agora
será que sente que chegou a sua hora?

É impossível
não é possível
correr tanto
e pensar tão
lucidamente
o coração
não aguenta
a cabeça também não
porque tenta
ultrapassar os seus limites?

provavelmente
é por vontade de viver

(quente quente ...)
que ultrapassa os seus limites
«Estamos quites!»
diz para o seu coração
« Ainda não, ainda não ...
sentes que valeu a pena?
se te obrigam a fugir
mais te obrigam
a chegar junto de ti
v a l e u .a. p e n a ? »

[ Post-Scriptum ]

tão jeitosinha que ela era. tão boa rapariga. nunca deu dores de cabeça aos pais. chegou sempre a horas a casa. era para aí a 2ª ou 3ª melhor aluna da turma. acabou nos anos devidos um curso de status. empregou-se e comprou logo uma casinha (apartamento) muito jeitosinha (assim como ela). era assídua e pontual. tinha duas contas no banco – numa depositava o cheque do ordenado e orientava-se para, na outra conta, depositar um montante certo todos os meses, esse montante seria o seu pé-de-meia. era mesmo uma rapariga muito atiladinha. os vizinhos dos pais perguntavam-lhes sempre pela Gracinha. "então… ? como está a nossa Gracinha?" o tempo foi passando e a Gracinha conheceu um moço. nem por isso mal-jeitoso. mas nada jeitosinho da vida dele. assim para o desorientadito. a Gracinha achou-lhe graça, o que se há-de fazer? as coisas do coração são assim mesmo. não se manda nos sentimentos. lamentou a possibilidade de dar um desgosto aos pais quando oficializou que o seu coração pertencia ao moço. espantou-se da ausência de espanto dos pais. o namoro era a modos que um namoro. o moço parecia ter boas intenções a até lhe dizia que o seu coração era dela. não falava em casamento. Gracinha, por vezes, à noite, na sua cama de lençóis devidamente engomados, arriscava-se lamentar o atraso no pedido de sua mão. mas tanto que gostava do rapaz nem por isso mal-jeitoso, mas nada jeitosinho da vida dele, assim para o desorientadito, tanto, que não arriscava o tema - casamento. mais vale um pássaro na mão do que nenhum a voar. deixou-se andar e manteve-se assídua e pontual no trabalho. as contas bancárias sempre orientadinhas. lamentavelmente, um mal-fadado dia, o moço, o tal rapaz nem por isso mal-jeitoso, mas nada jeitosinho da vida dele, assim para o desorientadito, disse-lhe que seguia para a Nova Zelândia num projecto musical que não podia deixar escapar da sua existência. orientou-se à sua maneira, o moço. Gracinha, assim, viu-se sozinha, sem passarito na mão. Gracinha pensou nos seus pais, eram sexagenários. sexagenários... avançados! despediu-se. vendeu a sua casinha (apartamento) muito jeitosinha, levantou o dinheiro da conta pé-de-meia e voltou para a Vila onde nasceu. chegara o tempo de tomar conta dos papás. chegou a casa. abriu a porta com a sua chave (ainda possuía uma chave de casa dos seus pais, nunca a entregara de volta). encontrou um bilhete que dizia “Gracinha, se vieres cá a casa, deverás reparar que não estamos, fomos numa excursão. voltamos por altura do Natal”. decorria o mês de Julho! o bilhete continha uma nota à laia de Post-Scriptum “não, não é uma excursão para a terceira idade. evidentemente. beijinhos.”. Gracinha meteu-se no carro, decidiu rumar a Marrocos. ao parar nos semáforos, gemeu. um AVC. morreu instantaneamente. não sofreu.




ouro de tolo, Caetano Veloso

[ f a r e w e l l ]

a caixa de cartão acumula papéis enxovalhados com as tarefas acabadas. destinam-se à reciclagem. alguém virá recolhê-los a uma hora em que não existo aqui. meio-dia de lavoura passado. inventaram-me duas empreitadas extra. aviei-as. à véspera do festejo da cidade, o dia desenvolve-se diferente. arquitectado sem fregueses. é uma hora estranha, arrastam-se minutos. nada espero. no entanto, relato. como se uma meta se aproximasse. uma meta além do toque do gongo. tenho uma certeza e não lhe quero chamar crítica. após o gongo vou matar a sede. apetece-me sublinhar o que renego. deixar bem claro o que é que enjeito. devolvo-me. fico. não parto. cumpro gestos com objectos do meu género feminino. obedeço à vontade que hoje tenho de dizer farewell.




nota quando correr as ruas da cidade de lés a lés com os sete pés com que sairei daqui, tentarei encontrar um desses vestidos de ser tão mulher. comprá-lo-ei. será guardado na minha mala de segredos. sem especial empenho no secretismo.

[ apontamento ]

o horizonte ainda não despertou. as apontamentos com referência às muitas-pequenas-tarefas estão a sofrer a triagem. a antecipação de um feriado é diferente dos outros dias, úteis ou nem por isso. esta véspera está de céu azul. fui ambiciosa nas tarefas de actualização a que me propus para hoje. certeza sobre as intenções: cumpri-las-ei. serão consumadas as horas laborais. quando o gongo tocar... fujo a sete pés e com eles caminharei pelas ruas da cidade. a ambição extra-laboral é ser testemunho vivo de beijos. mas, atenção, nada direi sobre beijos, pois é hora de cumprir a intenção. bom-dia.

Le Baiser de l'Hotel de Ville, Robert Doisneau

Paris, 1950

[ palavra-chave: quase ]

foi por isso que vim para casa, pintei os lábios, arrastei os móveis de modo a parecer ter um palco no meio da sala e canto agora à medida que sou público. não faz sentido. não cabe na cabeça de ninguém! tudo começou quando o dia começou. não gostei. confesso que não gostei. mesmo. que o sol esteja ausente, enfim, é uma realidade a que temos de nos sujeitar. portanto, vejo-me obrigada a aceitar o dia sem sol. mas que o dia nasça a horas tardias. que a distância tenha a ousadia de ser real. e que eu ainda não tenha sequer uma pista de que existo. não aceito. ora! se senti na pele as cinzas que restam das bandeiras. se tenho a certeza de que vi o velho do rio a fazer jogadas com o cubo mágico. se estou quase certa de que cumprimentei devidamente a mulher que vende tremoços e pevides à porta da igreja. seria lógico que descobrisse uma ou outra pista. porém, não estou tão certa de ter sido uma alucinação o dia em que me sujeitei ao crisma. tenho uma vaga ideia de ter proferido a confirmação de fé. não devo existir. é uma ninharia o espírito que experimento. nem mundo tenho aqui. os jornais parecem brancos de notícias. quase juraria que é uma alucinação. tenho quase a certeza de que estão recheados de boas novas. mas não posso jurar. nem opinar. não vou usar opiniões. fico aqui e canto. farei a vida a cantar. quase juraria. mas não posso jurar. juraria que a pista da minha existência é um som que percepciono. por isso canto. nem por isso me agarro a existir. escrevo estas palavras a cantar. posso cantar.



partido alto, Caetano Veloso

[ bem-aventuranças ]

e se

formulássemos os desejos que desejamos. e se os caminhássemos de pés húmidos do pó. os animais conjurassem à nossa passagem, tal mar vermelho. sem sinais para trás da nossa passagem. que a nossa passagem a levamos connosco como a cada filho que trazemos. eterizados pelo tacto. sem pedras. órfãos. sempre sempre. sopremos sopros soprados como diz o nosso amigo amigo. as janelas abertas em felicidade sadia. a brisa pelas plantas de desejar desejos. desejados. os nossos sonos da experiência são em paz. descansamos a cada sempre. apalavramos palavras desejadas de não fazer mal às palavras nestes tontos jogos palavra-verbo-apalavrar. e tocamos a massa alma. fantasma. olha. ali. somos nós. no meio verde. e comemoramos. bem-aventurados. o inebriamento. um sopro soprado levar-nos-á, não ao nosso toque.

photo





cello song, Nick Drake


I'm sandra aka margarete ~ acknowledgeyourself@gmail.com












































Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.


Alberto Carneiro