[ prova dos prejuízos – ao ser é retirado tecido mole (3 peitos passam para a entidade paralela do ser), calcule as unidades de abalo auferidas ]
r u m o [ azul em tons de cinza ]
bird on the wire, Leonard Cohen
[ kingdom of rain ]
Neblina. Abriu-se toda.
Aquela densidade, a sua consequência, proclamada oferenda. Procedimento: uma inalação, única, profunda. A troca de oxigénio, por água, abre tudo. Os rasgos disformes de corpo são decerto dolorosos, mas não se acha dor na sua fisionomia. A neblina, hoje é só a neblina, sem sombras (nem os vultos) e sem bastidor traz-lhe bonança.
[ it would be no more blood and no more pain ]
Na neblina. Na aragem húmida, abriu-se alagadiça. Dilatou as ventas.
(- A troca de oxigénio, por água abre-se tudo.)
Cingiu os tecidos que pingavam e envolveu-se de pujança restaurando o que o choro viera descobrir. Acertou as trocas gasosas e à celeridade cadenciada aprumou o feitio. Bravia seguiu.
kingdom of rain, The The
[ polpa ]
[ assim inaugurou aquele que será o seu último Outono ]
Quando deu por si, já estava no exterior do edifício onde o bom doutor pratica a medicina, voltou atrás para se certificar de que pagara a consulta e respectivos exames. De novo no exterior, cumpriu o gesto habitual – a contemplação da fachada Arte Nova do edifício. Tirou da mala o bloco de esboços -A5 e um lápis (macio e escuro, muito). Deixou que o dia anoitecesse. O dia do decreto do fim da minha capacidade fisiológica, pensou. Sorriu sarcasticamente, quase como quem se quer magoar a si próprio. Amanhã vou à papelaria comprar uma caixa enorme de lápis de cor, decidiu. O seu escárnio nunca durava mais do que cerca de 5 ou 10 minutos. Ainda se lembrou que se desse demasiada importância à vida a sua mente já se concentraria nos pormenores a não descurar. Más novas, recebera más novas. Sabia da naturalidade de não se sentir desesperada. Durante o caminho de volta à vila, dedicou-se à condução e às sombras amarelo-torrado das árvores. Foi um grande suspiro que libertou quando fechou, por dentro, a porta de casa. Olhou à sua volta e deu passos ao mesmo tempo que despia do seu corpo, robusto mas findo, pedaços do traje de ir à cidade grande. A única coisa que continuava a intrigá-la era a solidão, há muito que se resignara mas nunca conseguira compreender. A tentativa de entendimento da solidão fora o grande objectivo, e simultaneamente distúrbio, da sua existência. Isto aconteceu em absoluto silêncio.
[ happy birthday mom, lov'ya ]
[ a casa que é ]
[ close my eyes & t r u s t ]
É fatal a demanda da bestial compreensão, quero-a, mesmo que, a passos, a tarefa não seja cumprida com sucesso. Desconfio que é de onde surgem, a gerações espontâneas, os afectos sadios.
[ pela hora da sesta ] [ a manhã é um corpo incompleto * ]
Aproximas-te. Eu proponho: espalhamos folhas vegetais pelo pavimento, todo, disponho o meu corpo em posições enquanto o contornas a tangentes de tinta-da-china. Tu topas. Se, por exemplo, aos primeiros traços, percebermos que esquecêramos de pôr a tocar a banda sonora levanto-me diligente. Regresso ao pavimento com as intenções adulteradas. Corrompo as folhas vegetais, lês na minha imobilidade: a p r o x i m a – t e.
Danae, Gustav Klimt
* retirado do poema do Pedro
[ such a pretty house and such a pretty garden ] [ silent silent ]
Partiu-se-me o coração (uma forma de estilo porque os corações não partem podem rasgar mas não partem)
Partiu-se-me o coração porque vi uma forma sem estilo não tinha botas ou antes tinha botas mas eram sem sola porque não tinha pés nem pernas não tinha braços nem mãos nem dedos por isso também não tinha nós dos dedos no lugar da barriga havia um buraco era um buraco sem mamas por isso não havia fígado nem estômago o intestino era uma palhinha entre um buraquinho que substituía a boca e outro buraco essa palhinha fazia cair os alimentos no chão os rins não eram rins eram um esboço embrionário por isso essa forma sem estilo fazia diálise e estava em lista de espera à espera mas essa forma sem estilo que tinha um chapéu onde não depositamos 10 cêntimos tinha coração e o coração não pode ser partido mas pode ser rasgado
no surprises, Radiohead
[ dawn dreaming ] e havia relâmpagos azuis e azuis. e pingos doutras cores
e acordei. e estava coberta com a manta azul, e isso quer dizer que estava muito aconchegada. e o barulho da chuva dava a impressão de que chovia à beira da minha cama. e então eu acordei esta madrugada e não abri os olhos para fingir que chovia ali dentro.
e era mesmo tangente à minha cama
still do anúncio Sony Bravia: Balls
[ action: to take a breath that's true ] [ reaction: and then it's smiles cover your heart ]
Repete inúmeras vezes as palavras
o desfecho é sempre outro.
Tu estás aí
eu sei, os vocábulos mudam de posição
a luz dá-lhes visibilidade.
Contemplo o teu silêncio enquanto permaneces.
Silencio este espaço
amplo
(um armazém à laia de casa
minimalista).
Minimalista...... ambiciono esta emoção
experimentar a honestidade.
[ as primeiras vezes ] [ everyone goes to the moon ]
Tenho medo, disse, apertando fortemente a mão da mãe ao mesmo tempo que o coração desta abafava. A mãe proferiu as palavras encantadas: não tenhas medo, eu estou aqui. Percorreram as dependências da escolinha, enquanto segurava a lancheira do “indie” the pooh numa mão, a menina ia desatando a força que exercia sobre a mão da mãe. Ao telefone, asseguraram-me “ficou a pintar, já tinha o bibe sujo com tintas”. J
[ quando fosse grande ]
- Depois? Serias essas coisas todas que te apetecesse ser.
- Era?
- Era. Diz lá uma coisa que gostarias de ser.
- Arquitecta. Conceberia edifícios para instituições… uma biblioteca! E casas, conceberia casas, participaria na concretização de sonhos. E fotógrafa – rostos por encomenda e zonas industriais por impulso – seriam os meus trabalhos. Encenadora de jovens actores em palcos com cheiro a veludo envelhecido. Realizaria curtas-metragens. Seria baixista de uma banda de rock’N’roll. Ou baterista. Atleta de curta distância. Padeira. Cozinheira. Palhaça. Enfermeira. Professora de Matemática. Professora de História. Professora de Língua Portuguesa. Professora de Filosofia. Contadora de histórias. Parteira. Gostaria de ser contadora de histórias, à medida que desenvolvesse cada história, veria as pessoas ir embora de barco como se elas próprias escrevessem cada conclusão. Gostaria de ser parteira de histórias.
[ mulheres e os baptismos ] [ whiskey & cigarettes ] [ mouths full of chocolate-covered cream ]
Preparamo-nos e dos nossos ventres falámos. Chamaste-lhe maternidade e agravei a minha expressão instantânea. O ricochete das palavras não poderá prolongar o seu efeito para além da licença que lhes seja concedida. Retrocedeste o olhar e eu sorri, nem madrasta!, disse-te. A minha gente, pensei. A noite passada foi adiante e não olhámos a meios, continuámos a sermo-nos o exercício de bem-estar. Meninas e moças, assim, mulheres entre nós e os nossos livros, que em nada nos apetece que sejam emancipados das nossas peneiras de trapos e bugigangas, cores-Kahlo em nosso redor. Dissemos as boas-noites com a palavra devida e fiquei a velar, solitária, o resto do serão. Ouvi a música apropriada à ocasião e regalei-me ao perceber que ensaiáramos dar nomes às coisas.
everyone's gone to the moon, Nina Simone
- acknowledgements -
# a décima nona canção
# um dos blogs mais bonitos - é preciso estar com atenção, o template muda frequentemente... e qual deles o mais bonito... ?
# Bada bada bada bada bada da...Bada bada bada bada bada da...
# pulsar
[ só tem de exterior a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço *] [ este cálice ]
[ viver e viver sem boca ] [ pintar a fuga do corpo ] [ os nomes - palavras ]
Estás aqui comigo à sombra do sol
escrevo e oiço certos ruídos domésticos
e a luz chega-me humildemente pela janela
e dói-me um braço e sei que sou o pior aspecto do que sou
Estás aqui comigo e sou sumamente quotidiano
e tudo o que faço ou sinto como que me veste de um pijama
que uso para ser também isto este bicho
de hábitos manias segredos defeitos quase todos desfeitos
quando depois lá fora na vida profissional ou social só sou um nome e sabem o que sei o
que faço ou então sou eu que julgo que o sabem
e sou amável selecciono cuidadosamente os gestos e escolho as palavras
e sei que afinal posso ser isso talvez porque aqui sentado dentro de casa sou outra coisa
esta coisa que escreve e tem uma nódoa na camisa e só tem de exterior
a manifestação desta dor neste braço que afecta tudo o que faço
bem entendido o que faço com este braço
Estás aqui comigo e à volta são as paredes
e posso passar de sala para sala a pensar noutra coisa
e dizer aqui é a sala de estar aqui é o quarto aqui é a casa de banho
e no fundo escolher cada uma das divisões segundo o que tenho a fazer
Estás aqui comigo e sei que só sou este corpo castigado
passado nas pernas de sala em sala. Sou só estas salas estas paredes
esta profunda vergonha de o ser e não ser apenas a outra coisa
essa coisa que sou na estrada onde não estou à sombra do sol
Estás aqui e sinto-me absolutamente indefeso
diante dos dias. Que ninguém conheça este meu nome
este meu verdadeiro nome depois talvez encoberto noutro
nome embora no mesmo nome este nome
de terra de dor de paredes este nome doméstico
Afinal fui isto nada mais do que isto
as outras coisas que fiz fi-Ias para não ser isto ou dissimular isto
a que somente não chamo merda porque ao nascer me deram outro nome que não merda
e em princípio o nome de cada coisa serve para distinguir uma coisa das outras coisas
Estás aqui comigo e tenho pena acredita de ser só isto
pena até mesmo de dizer que sou só isto como se fosse também outra coisa
uma coisa para além disto que não isto
Estás aqui comigo deixa-te estar aqui comigo
é das tuas mãos que saem alguns destes ruídos domésticos
mas até nos teus gestos domésticos tu és mais que os teus gestos domésticos
tu és em cada gesto todos os teus gestos
e neste momento eu sei eu sinto ao certo o que significam certas palavras como a palavra paz
Deixa-te estar aqui perdoa que o tempo te fique na face na forma de rugas
perdoa pagares tão alto preço por estar aqui
perdoa eu revelar que há muito pagas tão alto preço por estar aqui
prossegue nos gestos não pares procura permanecer sempre presente
deixa docemente desvanecerem-se um por um os dias
e eu saber que aqui estás de maneira a poder dizer
sou isto é certo mas sei que tu estás aqui.
Ruy Belo
[ a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer *]
A cianose é o primeiro sinal de ressaca da indústria da escrita. Obceco. O juízo não tolda porém urge a alimentação à base de sopa de letras. A cada passada que dou, são espaços largos. Em contraponto, e para esquivar do trambolhão, redecoro o bêàbá. Pisca a luz vermelha dos cuidados: à medida que evolui o léxico, elaboram-se expressões manipuladas até à exaustão da inteligência. Confirma-se a hipótese intuitiva: os afectos não são instantâneos. Enquanto não são oxigenados os músculos vitais, por entre as pernas escorre o sangue da higiene mensal e penso é por isso que sobrevoam (algures e desfocadas) as aves cobertas de peles de ovelha. A fragilidade não toma proporções estúpidas – é só o susto – respirar passa a ser o acto mais elaborado do ser humano e isso é a natureza. A constituição do corpo do ser transporta destas coisas, é e, cabalmente, aprendeu a dizer “a nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer”.
And I think my head is burning
And in a way I'm yearning
To be done with all this measuring of proof.
the mercy Seat, Nick Cave & the Bad Seeds
[ sensualidade afecto silêncio ]
Sede. É fome. Esquivo-me de ser acusada de profanação. Sim, o fim só existe quando a aflição são os olhos, trespassa-se a zona das olheiras com desvios esguios para evitar o olhar. O olhar é quase além do corpo, assim como disse David «(…) de cada vez que o rosto aproximas já é outra sede que nos queima (…)». O cortejo compõe-se e é involuntária a consciência de que estes corpos não são restos de corpo. Germina a procissão fisiológica. O presente é indicativo para que haja tempo. Grito uma pergunta afirmada, firme nos anos que se manifestam - o início da flacidez. O início da flacidez é belo, não se deixem a enganos por burlões da juventude. A mulher aprecia a firmeza das mãos desse homem nas suas carnes da idade. É ternura essa sede dumas mãos por um pedaço fisiologicamente a envelhecer. Estão lado-a-lado os sexos mastigados, a única prova da procissão é a sujidade casta que se vê nos pés do corpo. Silêncio. Sim, descansa em paz o corpo regado a fluídos segregados.
foto de ff, tomografia das emoções! - música trazida à lembrança por Carlos Veríssimo (na minguante) e apelidada de BSO por Dolphin.s - tema à laia de resposta a escrito tão bonito do Henrique
tema livre como o é o afecto
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versão com links:
Sede. É fome. Esquivo-me de ser acusada de profanação. Sim, o fim só existe quando a aflição são os olhos, trespassa-se a zona das olheiras com desvios esguios para evitar o olhar. O olhar é quase além do corpo, assim como disse David «(…) de cada vez que o rosto aproximas já é outra sede que nos queima (…)». O cortejo compõe-se e é involuntária a consciência de que estes corpos não são restos de corpo. Germina a procissão fisiológica. O presente é indicativo para que haja tempo. Grito uma pergunta afirmada, firme nos anos que se manifestam - o início da flacidez. O início da flacidez é belo, não se deixem a enganos por burlões da juventude. A mulher aprecia a firmeza das mãos desse homem nas suas carnes da idade. É ternura essa sede dumas mãos por um pedaço fisiologicamente a envelhecer. Estão lado-a-lado os sexos mastigados, a única prova da procissão é a sujidade casta que se vê nos pés do corpo. Silêncio. Sim, descansa em paz o corpo regado a fluídos segregados.
silence is sexy, Einsturzende Neubaten
[ lady luck ]
ol'55, Tom Waits
[ por estes dias ou um dia qualquer ] [ o meu rosto a querer sentir-se inexprimido ]
the body breaks, Devendra Banhart
Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.
Alberto Carneiro