as coisas que escondemos de nós
está quase
duas ou três coisas sobre o meu parque eólico interior
saber (?)
distraí-me
não chabo.
poupemos energia
- e? o quê?
- o que dizes?
- er... seria demasiado estúpido evocar Sócrates neste momento!
- o quê?
- ... só sei que nada sei (!)
- de que nada falamos?
- vamos filosofar?!
- não, não gosto de Filosofia.
- bem me parecia que não
- desconversar também não
- também não, posso sempre fazer um chá, de tomilho, sêco por mim, com limão, do limoeiro da minha bisavó, e mel, dos Açores. que te parece, um chá com estilo? sirvo-to nos meus copos de barro
- pode ser, e depois, ou durante, o chá, que fazemos?
- não complicamos.
o meu tio Zé
era o tontinho da terra. em pequeno, segundo o meu pai, no quarto onde dormiam - que era um curral, as meninas dormiam dentro de casa, os rapazes no curral, para aprenderem o que é ser homem - pois, acordava a meio da noite com o meu tio sentado na manjedoura a balançar-se para a frente e para trás, o meu pai deitava-o e ele logo sossegava. assim que chegou à escola, decidiu-se que o meu tio Zé era um génio, não iria para as obras com o meu pai e o meu tio Acácio, iria para o liceu. foi. tornou-se o contabilista da empresa do meu avô. (o meu pai fugiu para França, o seu não à tropa, ao Ultramar; o meu tio Acácio foi à tropa) entretanto o meu tio Zé decidiu que queria ir descobrir as maravilhas de África, contra vontade do meu avô. foi. voltou passados alguns anos. qualquer coisa não tinha mudado no meu tio Zé, mas tinha-se manifestado, tinha-se instalado. o meu tio Zé deixou de obedecer às nossas regras. foi. por isso, passou a ser o tontinho da terra. andava de sobretudo preto, com sacos de plástico, fazia ginástica no jardim municipal pela manhã (mente sã em corpo são). o meu avô chegou a levá-lo a um psiquiatra, mas o meu tio Zé cortou-lhe o divã todo com uma navalha. foi. não voltou. o meu tio Zé não era uma pessoa violenta. era um senhor, era uma pessoa gentil, gostava de pessoas mas não colaboraria com elas, jamais. cumprimentava-o com dois beijos na face, de cada vez que passava pelo jardim, e ele perguntava a menina vai bem? e os estudos? os meus cumprimentos ao paizinho e à mãezinha. era o meu tio Zé. (continua)
ARREPIO NA TARDE
« Não sei quem, nem em que lugar,
mas alguém me deve ter morrido.
Senti essa morte num arrepio da tarde.
Qualquer amigo, um dos vários
que não conheço e só a poesia
sustenta. Talvez a morte fosse
outra: um pequeno réptil
no sol súbito e quente de Março
esmagdo por pancada certeira;
um cão atropelado por um bruto
que, ao volante, se julga um deus
de arrabalde, com sucesso garantido
junto de três ou quatro putas de turno.
Talvez a de uma estrela, porque também
elas morrem, também elas morrem. »
Eugénio de Andrade
estava em casa
pensei os tais mendigos e altivos; foi só um sonho, mas quis e encontrei esta janela que não foge muito à realidade das imagens que sonhei
Ah! nunca fui ao Castelo de São Jorge!
«O hermetismo do pensamento tornara-se a única protecção contra a tirania.»*
« As suas personagens femininas são sempre muito jovens.
É porque gosto dos seres jovens, os adultos chateiam-me. Para mim, quando os adultos não são umas bestas, são uns néscios; essas bestas são uns néscios e não me interessam. Os seres jovens são ainda entusiastas {…}. Não é por causa da sexualidade que gosto dos jovens, é antes por aquilo que representam. Não posso entender-me, por exemplo, com uma mulher de trinta anos. Não quer dizer que já não seja desejável, atraente, o que acontece é que, passados cinco minutos, zango-me com ela: já tem a televisão, o frigorífico, a máquina de lavar, todas essas coisas, já conheceu, antes de mim, uns bons dez tipos que eram uns medonhos cretinos, os quais a ensinaram a raciocinar, isto é, coisíssima nenhuma. »
entrevista de Claude Scmitt a Albert Cossery, mensário Matulu, Setembro de 1973,
in Mendigos e Altivos de Albert Cossery (Antígona)
* in Mendigos e Altivos de Albert Cossery
Ó piano de areia movediça *
X
Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos
Colhes à passagem
a luz do instante//
De dentes cerrados
ondulas avanças
retesas os braços
comprimes as ancas//
Depois para a frente
inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto//
e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga//
Lua e sol tu és
enquanto cavalgas
amazona e égua
de espora cravada//
no centro do corpo
Centauresa alada
com os seios soltos
como feitos de água//
Queria bebê-los
quando mais te dobras
Os cabelos esses
sorvê-los agora//
Mas de cada vez
que o rosto aproximas
já é outra sede
que nos queima a língua//
A de nos teus olhos
tão perto dos meus
descobrir o modo
de beber o céu
quero que o meu Sábado seja assim
o diabo a sete - qual é o nº deste take?
somos poços na imagem
mas o beijo é tão efémera tatuagem *
e os filhos calam-se
lábios fechados, perante o
nosso olhar, como
uma mudez que lhe seguramos
pela mão
os olhos encaracolados de sonho *
« já não arrancam
pétalas às flores, as
meninas grandes devem
ser capazes de abrir
a boca sem deixar nenhum
dente cair »
Valter Hugo Mãe in "A Cobrição das Filhas"
A INVENÇÃO DO DIA CLARO
Entrei numa livraria. Puz-me a contar os livros que ha para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria.
Deve certamente haver outras maneiras de se salvar uma pessoa, senão estou perdido.
No entanto, as pessoas que entravam na livraria estavam todas bem vestidas de quem precisa salvar-se.
* * *
Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a sciencia que trata da vida; era justamente do que eu necessitava - pôr sciencia na minha vida.
Li o livro de filosofia, não ganhei nada, Mãe! não ganhei nada.
Disseram-me que era necessario estar já iniciado, ora eu só tenho uma iniciação, é esta de ter sido posto neste mundo á imagem e semelhança de Deus. Não basta?
* * *
(...)
Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade.
(...)
A INVENÇÃO DO DIA CLARO
I PARTE
(...)
VALOR DAS PALAVRAS
Ha palavras que fazem bater mais depressa o coração - todas as palavras - umas mais do que outras, qualquer mais do que todas. Conforme os logares e as posições das palavras. segundo o lado d'onde se ouvem - do lado do sol ou do lado onde não dá Sol.
Cada palavra é um pedaço do universo. Um pedaço que faz falta ao universo. todas as palavras juntas formam o Universo.
As palavras querem estar nos logares!
NÓS E AS PALAVRAS
Nós não somos do século d'inventar as palavras. as palavras já foram invetadas. Nós somos do século d'inventar outra vez as palavras que já foram inventadas.
(...)
UMA CRUZ NA ENCRUZILHADA
(...)
A cada um que passava dizia o Christo de pedra:
«em vez de ter morrido n'uma cruz, por ti, antes tivesse pegado na lança que me abriu o peito, para com ella te rasgar os olhos da cara. Para deixar entrar claridade para dentro de ti pelos buracos dos teus olhos rasgados.
(...)
«Não posso, por mais que tente, livrar um das mãos, pregaram-m'as bem, como se prega um crucificado; não posso, por mais que tente, livrar uma das mãos, para te sacudir a cabeça quando vieres ajoelhar-te aqui aos pés da minha cruz.
(...)
... um dia a loucura virá plo seu proprio pé bater á tua porta, e tu, desprevenido, e tu sem mãos para a esganar, porque a loucura já será maior do que na palma da tua mão, porque a loucura será maior do que as tuas mãos, porque a loucura poderá mais do que tu com as tuas mãos; e ella fará de ti o pior de todos, por não teres sabido servir-te d'ella como tu devias sabe-lo querer!
(...)
II PARTE
A VIAGEM
ou
O QUE NÃO SE PODE PREVÊR
EU
Quando digo Eu não me refiro apenas a mim mas a todo aquelle que coubér dentro do geito em que está empregado o verbo na primeira pessoa.
(...)
RETRATO DA ESTRELA QUE GUIOU O FILHO PRÓDIGO NA VOLTA Á CASA PATERNA
(...)
A larangeira ao pé da nora já me conhecia - punha-se a fingir que era o vento que a fazi mexer.
* * *
(...)
estou a espera de ser grande para ver se o que eu penso é verdade ou não. Se não fôr, mato-me!
(...)»
José de Almada-Negreiros
A Barbie
Hoje vesti uma camisola de gola alta e um casaco de malha, ambos cor-de-rosa Barbie. Brinquei com ela, com o Ken também, as minhas Barbies tinham sempre filhos e não eram modelos fotográficos, eram professoras, veterinárias, executivas, etc. Ainda as guardo, algures. Não tenho o preconceito contra ela. Esta semana já é a segunda vez que a Barbie é evocada. A minha sobrinha telefonou-me: avó Bia deu bábi. Ok, não me preocupo com os efeitos que terá na formação das suas ideias, do seu carácter. Depois, sobre as reacções das Barbies que, aparentemente, «reagem esquisito ao toque». As minhas Barbies nunca me falaram mas eu punha-lhes as palavras na boca, tinham os lábios pintados, a mim nunca pareceu que me ficasse bem batôn ou qualquer outra maquilhagem. Embora silenciosas, hoje as Barbies parecem-me estar sempre a dar aqueles gritinhos coquette, absolutamente irritantes. Também me fazem lembrar esta canção dos Simply Red:
«I was listening to this conversation
Noticing my daydream stimulated me more
I was crumbling with anticipation
You better send me home before I tumble down to the
Floor
You’re so beautiful but oh so boring
I’m wondering what am I doing here
So beautiful but oh so boring, I’m wondering
If anyone out there really cares
About the curlers in your hair
My little golden baby, where have all your birds flown
Now?
Something’s glistening in my imagination
Motivating something close to breaking the law
Wait a mo before you take me down to the station
I’ve never known a one who’d make me suicidal before »
hoje n'aba de heisenberg
Andava há imenso tempo para falar disto aqui, a Isabel tomou a iniciativa,
só queria sublinhar que reconheço a tentativa para sensibilizar os tais vândalos, mas também reclamo, sim, Isabel, também acho que a Casa da Cultura - Biblioteca, Fonoteca, Videoteca - deveria estar preparda para as substiuições, também não entendo o sistema de recolha do material, por mais de uma vez sinalizei material danificado e não percebi muito bem quais a diligências tomadas. Durante Novembro e Dezembro reli Quino, que não existe na íntegra na Biblioteca, e não houve um volume que não estivesse rasgado ou desenhado. Também gostaria de saber quando é que haverá fundos para actualizar a Biblioteca, da última vez que fui informada as publicações mais recebtes eram de 2002! Mais uma coisa, não percebo porque é que não nos emprestam os DVD's da Fonoteca e é hoje, sem falta, que segue a minha sugestão/solicitação.
Razão de Estado
Com toda a discrição
Vejo o que fazes
És o objecto principal da minha atenção
Eu sou o intruso
Que a todo o momento
Controla o teu pensamento
Sou a razão de Estado
Tenho o teu processo arquivado
Sou a razão de Estado
Posso proporcionar-te um mau bocado
Eu conheço os segredos
Da tua intimidade
Sei que livros te interessam
E trabalho por conta da comunidade
Sou eu quem escreve
Dia após dia
A tua biografia
Nós vivemos em crise
E a nossa sociedade
Tem que ser protegida
Contra os malefícios da individualidade
Imponho a ordem
E repudio
O mais pequeno desvio
Sou a razão de Estado
Tenho o teu processo arquivado
Sou a razão de Estado
Posso proporcionar-te um mau bocado. »
Jorge Palma
(...)
como se eu tenha qualquer coisa presa cá dentro
post 3 em 1 (o J., eu e a Carla de Elsinore)
(...)
pelas mãos de um amigo
«Acrobacias
sentados em Trafalgar Square
no intervalo de amigos
com o tempo entre as mãos
treinávamos o nosso inglês
num inquérito de revista
com Francis Bacon na capa
que perguntava:
qual dos membros
- superiores ou inferiores -
preferíamos perder
(esta ablação em língua estrangeira
tornava-se indolor, quase anestesiada)
respondeste: os braços
as pernas conservá-las-ias
como a liberdade de poder andar
respondi: as pernas
não queria ver-me
impedida de abraçar.
Assim juntando as nossas
perdas
eu abraço-me a ti
e peço-te anda, mostra-me o mundo
e quando nos cansarmos
abraçar-me-ás, então, com as pernas
e eu
andarei com os braços.»
Ana Paula Inácio, in Telhados de Vidro nº3
não fiquei em silêncio, foi a afonia...
vou-vos contar o que aconteceu
Amore del Tropico (gosto do som deste título)
«A sign on the road
Did you not see /wasn’t it clear /or did you just speed by /ignoring the signs on the road /the signs on the road did you not hear /nobody’s coming home /and if it was true /believe the lines all lead back to you /a mission that leads you astray /not choosing the right path instead /wasn’t it clear /the writing on the wall /did you not hear nobody’s coming home /don’t let it pass you by /don’t leave it all behind »
The Black Heart Procession
no worries, I'm feeling colourful (still, I see a darknessssss)
Will Oldham - > Bonnie Prince Billy :
«Well, you're my friend
And can you see
Many times we've been out drinking
Many times we've shared our thoughts
Did you ever, ever notice, the kind of thoughts I got
Well you know I have a love, for everyone I know
And you know I have a drive, for life I won't let go
But sometimes this opposition, comes rising up in me
This terrible imposition, comes blacking through my mind
And then I see a darkness
Oh no, I see a darkness
Do you know how much I love you
Cause I'm hoping some day soon
You'll save me from this darkness
Well I hope that someday soon
We'll find peace in our lives
Together or apart
Alone or with our wives
And we can stop our whoring
And draw the smiles inside
And light it up forever
And never go to sleep
My best unbeaten brother
That isn't all I see
And then I see a darkness
Oh no, I see a darkness
Do you know how much I love you
Cause I'm hoping some day soon
You'll save me from this darkness»
TrashWoman
«é tempo de correr em direcção ao mar.
com a cabeça submersa é mais fácil
perceber que quem me quer, não me
conhece. quem quer ser meu amigo, é
louco. quem me quer foder, não me quer
conhecer. quem quer ser como eu, é ainda
mais doente que eu. quem ouve os meus
conselhos é ainda mais desiquilibrado que
eu. quem me elogia, nunca reparou na
rapariga que está atrás de mim. quem diz
que sou especial, ainda não foi abandonado
por mim. quem me quer enterrar
quer ajuda com a pá? é tempo de mergulhar fundo. sem
braçadeiras, que à superficie já está tudo visto.»
o J. partiu
incerteza de algo ainda belo
chora e descansa. deixa estar que é só terra, deixa estar que é só mais a cal. descansa.»
the point of no return
Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.
Alberto Carneiro