onde terá começado a metalização da fala?
uma porta de alvenaria dá acesso
à eira de misteriosos e profundos limos
onde terei esquecido a cicatriz azul da escrita
uma flor invade os veios secos da pedra
incendeia-se antes de se diluir na poeira
onde terei dado de beber à melancolia da memória?
o sangue transmutado em raríssimo metal
faz do coração e das veias a possível mina
onde vibrará a selvagem luminosidade dos pulsos?
há pistas estreitas de animal ferido pelas paredes
dentro do sonho segui-la-emos ao amanhecer
onde se esconderá o diminuto rosto ainda vivo
insondáveis são as catástrofes da alma
e da loucura que já não nos prende um ao outro
que destino nos revela a mão sem linha da vida?
escuro o bater do tempo sob as pálpebras
e o terrível som da máquina de escrever
Al Berto
de «Uma Existência de Papel»: Os Dias Sem Ninguém (5), in O Medo