E assim escondo-me atrás da porta, para que a Realidade, quando entra, não me veja. Escondo-me debaixo da mesa, donde subitamente prego sustos à Possibilidade. De modo que desligo de mim, como aos dois braços de um amplexo, os dois grandes tédios que me cingem – o tédio de poder viver só o Real, e o tédio de poder conceber só o Possível.
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Triunfo assim de toda a realidade. Castelos de areia, os meus triunfos?... De que cousa essencialmente divina são os castelos que não são de areia?
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Como sabeis que, viajando assim não me segui [?] obscuramente? Infantil de absurdo, revivo a minha meninice, e / brinco com as ideias das cousas como com soldados de chumbo com os quais eu, quando menino, fazia cousas que embirravam com a ideia de soldado. /
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Ébrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me viver.
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Sei que despertei e que ainda durmo. O meu corpo antigo, moído de eu viver, diz-me que é muito cedo ainda… sinto-me muito febril de longe. Peso-me, não sei porquê…
Num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo. Estagno, entre o sono e a vigília, num sonho que é uma sombra de sonhar. Minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-se, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho.
Bernardo Soares
Viagem nunca feita (II), Livro do Desassossego (2ª parte)