nota texto descaradamente escrito por cima do texto original - FLOWER POWER da SA, espuma dos dias
era uma vez umas borboletas que moravam numa casa, na rua velha, rua sem saída da baixa de coimbra. casa velha, na rua velha, com janelas velhas. os visitantes da casa da rua velha sabiam que havia habitantes extra a sua anfitriã e o seu gato, o manjerico. entre si, quando a anfitriã virava costas, conjuravam sobre as ditas esvoaçantes, havia quem jurasse tê-las visto a sair do guarda-fatos. acontece que a habitante da casa velha tinha sempre a porta do seu quarto encerrada. não era possível tirar a verdade a limpo porque ela guardava a chave do seu quarto num fio de prata cujo comprimento permitia que a chave se alojasse entre cada mama. tornava-se complicado aceder à chave, pois os visitantes, embora pouco tímidos (eram, até, arrojados; mamas não os embaraçavam nem intimidavam), sabiam que as mamas da habitante haviam definhado e ninguém quereria correr o risco de se infectar com o vírus que ela transportava. porém, uma coisa era certa para qualquer pessoa que frequentasse a casa da rua velha - à noite, as borboletas transformavam-se em raparigas de branco e saíam – por isso, ninguém as ouvia durante a noite preta. eram borboletas muito resistentes, mesmo cansadas pelas danças e pela tequila amarela, quando de manhã o sol as chamava, as borboletas saíam para a sua faina, e nada parecia poder impedi-las. nem mesmo a janela fechada, contra a qual as borboletas se lançavam até que o gato acordasse e a abrisse. até que o som do embate das ajitas das borboletas contra o vidro se tornasse insuportável para quem pretendesse dormir. e assim era. quando o sol começava a entrar pela janela velha do quarto, num raio de sol que parecia uma espada do rei artur, as borboletas metiam-se ao caminho e só ficavam satisfeitas quando a janela era aberta pelo manjerico e derramava a totalidade daquele raio de luz contra o sono. e então iam às suas vidas de borboletas, de flor em flor de azul em verde e em tantas cores e assim e tal e tal. e à noite, à noite havia quem dissesse que elas se aperaltavam todas enquanto ouviam música e contavam piadas e segredos umas às outras. e que depois saíam no encalce de alguma festa dançante. talvez as borboletas vivessem de facto dentro do guarda-fatos, dentro do quarto encerrado cuja chave estava protegida entre as mamas flácidas da habitante da casa velha da rua velha da baixa velha de coimbra. era um guarda-fatos de uma porta só, com espelho, pequeno, como quem diz de uma cama de solteiro, dentro dele (isto é um segredo) havia um vestido de poliéster branco às bolinhas corrosa, verde-alface, azul e vermelhas. estava-se bem dentro daquele guarda-fatos na semi-obscuridade até que a espada de luz se anunciasse. ou talvez as borboletas vivessem nas mamas da habitante, tem lógica, pois parece que se haviam libertado da sua barriga. foi num dia de abraços e de vida, as borboletas, dizem, viviam na barriga da habitante e faziam cócegas, muitas. nesse dia, as borboletas ouviram uma voz macia e gemelar a dizer à habitante “gosto de ti. tanto. muuuiiiiiiiiiiitooo.” (com muitos iii, mesmo!, muiiitos iiiii com os pontos todos lá) e resolveram que era a sua vez de liberdade. saíram pelo umbigo. as selvagens! libertaram-se e não quiseram saber se têm má fama por serem felizes e beberem tequila. talvez nem tenham fama. nada as impedia de dançar o rock and roll. e era por isso (dizia-se) que as borboletas estavam sempre a arranjar namorados que depois as deixavam porque elas gostavam da vivacidade branca, mas também podia ser colorida, consoante os dias. era mais forte que elas, que fazer? quando isso acontecia surgia uma geração espontânea de borboletas com asas negras, metálicas, na barriga da habitante cujas mamas eram velhas. além da aridez das mamas, geravam-se úlceras na barriga provocadas pelas asas. numa dessas vezes, de manhã a casa esvaziou-se e as borboletas ficaram fechadas no quarto, talvez no tal guarda-fatos, todas alinhadas dentro de sacos-camas, com as ajitas dobradas (como saber?). Uma coisa é certa: nessa manhã a habitante soube que as borboletas negras de asas metálicas sofrerão a metamorfose, as suas asas tornar-se-ão em ajitas, e com um golpe de afecto sadio sairão da barriga todas as noites mas não se instalarão no guarda-fatos de madrugada. após as tequilas voltarão para dentro da sua barriga. pelo umbigo.