la caisse du mouton
Antoine de Saint-Exupéry

SAL

Já na Cidade da Praia tinha acordado mal disposto. Depois de um jantar de circunstância, esgueirou-se para o hotel para fazer as malas apressadamente e tentar dormir um pouco. Era quase uma hora da manhã e daí a nada, por volta das três e meia, tinha de estar no aeroporto. Acordou com uma dor de cabeça estampada numa cara capaz de afugentar um batalhão de mercenários.

Nem deu por entrar no avião e pouco depois chegar ao Sal, às cinco horas. Só pensava em meter-se logo no outro para Lisboa. Azar. Só ao meio-dia e tal. Nem quis ouvir as desculpas. Resolveu que tinha de dormir umas poucas horas. Meteu-se no único táxi que estava àquela hora à porta do aeroporto, um Mercedes vermelho a cair aos bocados. O motorista era um crioulo esbranquiçado, muito velho, pensou, mas não, quando olhou melhor viu que era um albino, e jovem.

Chegou ao hotel, pagou logo e foi a correr tomar um duche frio. Masturbou-se sem pensar e ainda húmido do banho atirou-se para cima da cama. Dormiu pouco e mal. Acordou com os costados no chão, o que para ele não era propriamente coisa de espanto, cama estranha era quase sempre tombo certo. Estava quase na hora de o taxista o vir buscar. Arranjou-se de qualquer maneira e roubou o telefone sem saber porquê. Ao passar pela recepção pousou com estrondo a chave no balcão e nem se despediu.

Enfiou-se no Mercedes vermelho e nem bom dia nem boa tarde. Ponha-me depressa no aeroporto, resmungou ao motorista, se se podia chamar motorista àquele cegueta. De repente, percebeu que o homenzinho tinha um enorme lagarto pousado no ombro direito, a olhar para a frente como se também estivesse a conduzir. Ouça lá, disse ao motorista, o que é que faz aí um lagarto no seu ombro? Ele nem se dignou olhar e respondeu não tenho nenhum lagarto, senhor. Ai isso é que tem, então eu não o vejo?! Desculpe, senhor, quem vê coisas que não existem são os mortos e o senhor não está morto que eu estou a vê-lo bem. O quê?! É verdade, senhor. Vamos lá a ver se nos entendemos, amigo, eu não estou morto e você também não, estou a falar consigo, vejo-o... Só se estivermos os dois mortos, senhor. Mas nesse caso, você também via o lagarto. Pois é, senhor. Merda, então e o lagarto que na verdade eu vejo no seu ombro? Não há nenhum lagarto, senhor. Achou melhor não continuar a conversa. Talvez aquilo fosse uma miragem naquele deserto de sal.

Chegámos, senhor. Até que enfim. Faça boa viagem, senhor. Obrigado, olhe, tome lá uns trocos para... o seu lagarto. Obrigado, senhor.

Nunca mais ninguém tornou a ver o homem que embarcou para Lisboa. Nem o Mercedes vermelho.

Carlos Alberto Machado

A Preto & Branco - Divertimentos, in Telhados de Vidro nº3


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Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma como conceito para ser metáfora.


Alberto Carneiro