Amo o lusco fusco; há poucas coisas das quais tenho certeza de amar; amo o lusco fusco. Entrei no quarto e vi o xaile da minha avó no chão, não é motivo de assombro ou histeria, simplesmente o vi, ali, enrolado no chão; é um xaile azul escuro com franjas, de pelúcia; macio como os xailes das avós; grande e pesado como se quer os artefactos da protecção inventada. Tenho saudades dela; não se mede a saudades aos dias, tenho saudade de instantes dela; voltar a abraçá-la, foi o que pensei quando vi o xaile da minha avó no chão, ali, enrolado, depois lembrei-me que não há memória de abraços com braços; a memória que mais persiste é a da mão dela na minha cabeça ou das mãos dela nas minhas mãos em concha e eu a beijá-las; tinha mãos bailarinas tão bonitas, nunca mais vi mãos assim. Gosto da memória de histórias contadas à lareira aberta, pão com queijo de cabra, cevada feita com uma brasa na bilha de barro; gostava da benção que ela me dava à despedida. Não acredito em pessoas boas, sobre a minha avó, não tenho de saber isso.